TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016

492 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 10. A situação dos autos não reclama a tutela constitucional invocada, não se encontrando na dimensão interpretativa do artigo 25.º, n.º 1, e do artigo 14.º, n.º 9, do RCP adotada pelo acórdão recorrido a virtua- lidade de ofender os princípios constitucionais da segurança jurídica e da tutela da confiança dos cidadãos, e da legalidade, tal como invocado. 10. 1 Desde logo, e quanto à sustentada arbitrariedade, a dimensão interpretativa agora posta em crise não consubstancia verdadeiramente uma mutação na ordem jurídica – e no regime processual das custas – que pudesse ser tida por absolutamente inesperada em face das expectativas alegadamente criadas com a leitura literal – tal como preconizado pela recorrente – do disposto no artigo 25.º, n.º 1, do RCP, de modo a ter-se precludido o direito da parte vencedora de exigir o reembolso da taxa de justiça por si liquidada, mas não devida, sob pena da verificação da sustentada arbitrariedade violadora do princípio da legalidade. A pretensa violação do princípio da legalidade, assente na alegada arbitrariedade da interpretação do artigo 25.º, n.º 1, do RCP – já que, segundo a recorrente, teria ocorrido um desvio quanto à letra e ao espí- rito da lei – não se tem por verificada, desde logo, na medida em que a dimensão interpretativa em causa não se limita à interpretação daquele artigo 25.º, n.º 1, cumprindo a conjugação com o disposto no artigo 14.º, n.º 9, também do RCP, dada a especificidade da situação regulada. Assim, para além da divergência expressa pela recorrente quanto à interpretação a conferir à lei, que entende a partir da literalidade do disposto no artigo 25.º, n.º 1, do RCP, não se mostra sustentada a ale- gada arbitrariedade da interpretação das normas do regime jurídico vigente sobre custas de parte pelo que improcede a pretensa violação do princípio da legalidade, na vertente da vinculação dos Tribunais à lei, como alegado. 10. 2 Quanto à alegada violação dos princípios constitucionais da segurança e da tutela da confiança dos cidadãos, se os factos tendem a infirmar a ideia de que a interpretação feita pelo tribunal do regime jurídico vigente sobre custas de parte seria arbitrária, absolutamente inesperada e não previsível – tenha-se presente que, como aliás, citado no próprio aresto recorrido, entendimento semelhante quanto às normas legais em causa havia sido expressa e desenvolvidamente adotado em jurisprudência anterior das instâncias (é o caso do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 13 de março de 2014, proferido no Processo n.º 52/12.0TBAVV-B.G1, disponível em www.dgsi.pt ) –, razões de direito afastam a argumentação expen- dida quanto à pretendida violação dos princípios constitucionais agora chamados à colação. 10.2. 1 Cabe, introdutoriamente, recordar a reflexão feita no Acórdão do Plenário do Tribunal Constitu- cional n.º 188/09 sobre a relevância e alcance dos princípios constitucionais da segurança jurídica e da tutela da confiança (recentemente retomada no Acórdão n.º 423/16): «(…) Como observam Gomes Canotilho e Vital Moreira, o princípio do Estado de direito, a que alude o artigo 2.º da Constituição, «mais do que constitutivo de preceitos jurídicos, é sobretudo conglobador e integrador de um amplo conjunto de regras e princípios dispersos pelo texto constitucional, que densificam a ideia de sujeição do poder a princípios e regras jurídicas, garantindo aos cidadãos liberdade, igualdade e segurança». E, como acrescen- tam os mesmos autores, não está excluído que dele se possam colher normas que não tenham expressão direta em qualquer dispositivo constitucional, mas que se apresentam «como consequência imediata e irrecusável daquilo que constitui o cerne do Estado de direito democrático, a saber, a proteção dos cidadãos contra a prepotência, o arbítrio e a injustiça (especialmente por parte do Estado)» ( Constituição da República Portuguesa Anotada , I vol., 4.ª edição, Coimbra, pp. 205-206). É assim que se compreende que o princípio da segurança jurídica surja como uma projeção do Estado de direito e se torne invocável, como critério jurídico-constitucional de aferição de uma certa interpretação normativa, a partir do próprio conceito de Estado de direito ínsito no falado artigo 2.º da Constituição.

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