TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016

491 acórdão n.º 696/16 respetiva nota discriminativa e justificativa de custas de parte, constituindo tal uma faculdade e não uma obrigação (cfr. alegações de recurso para o Tribunal Constitucional, fls. 1099). Sustenta a recorrente que, em face desta norma legal, conformou com ela a sua atuação e criou a legítima expetativa de que nada mais lhe poderia ser cobrado a esse título (cfr. alegações de recurso, idem ). Acrescenta que o entendimento vertido no acórdão do Tribunal da Relação do Porto ora recorrido é o de que uma nota justificativa de custas de parte possa ser apresentada ad aeternum num determinado processo (cfr. idem ). As exigências constitucionais, de certeza e segurança jurídicas (determinabilidade da norma jurídica) e da con- fiança dos cidadãos mostrar-se-iam desvirtuadas pelo entendimento postulado pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto (cfr. idem , fls. 1101). Acrescenta a recorrente que do texto e do espírito do artigo 25.º, n.º 1, do RCP não poderia um cida- dão normal, aferido pelo critério do Bonus Pater Familias , retirar que lhe poderia ser apresentada uma nota justificativa e discriminativa de custas de parte meses depois do prazo ali estabelecido, pelo que ocorreu arbitrariedade na interpretação da norma jurídica em causa, que consubstanciaria também uma violação do princípio da legalidade que postula que a atuação do Estado está estritamente vinculada à lei (cfr. idem ). Argumenta ainda não dever ser invocada a falta de notificação da outra parte ao abrigo do n.º 9 do artigo 14.º do RCP, já que a mesma sempre poderia ter reagido contra essa omissão e a mesma não é impu- tável à ora recorrente (cfr. idem , fls. 1102), mas sim ao Estado. Vejamos. 8. Em primeiro lugar, e considerando a alegação do recorrente de que terá ocorrido «arbitrariedade na interpretação da norma jurídica em causa», por alegadamente se afastar da literalidade do preceito em causa (25.º, n.º 1, do RCP) e do seu espírito, cumpre desde logo esclarecer que ao Tribunal Constitucional não cabe a revisão do modo como os tribunais aplicam o direito comum nem a correção dos juízos hermenêu- ticos efetuados nos casos concretos (discutindo qual a correta ou melhor interpretação a dar à norma legal em causa); cabe-lhe a fiscalização de normas (ou interpretações normativas) aplicadas em decisões judiciais [sendo o recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC]. Assim, a sindicância da correção dos juízos interpretativos de preceitos de direito infraconstitucional afigura-se matéria estranha à competência do Tribunal Constitucional, apenas reservada aos tribunais comuns, não podendo, à partida, constituir um objeto idóneo do presente recurso de fiscalização da constitucionalidade. Importa, assim, considerar a dimensão normativa vertida no acórdão ora recorrido e objeto do recurso ( supra identificada em 6.), que se apresenta como um dado perante este Tribunal, ao qual cumpre aferir da sua conformidade com a Constituição da República Portuguesa. 9. A questão de constitucionalidade colocada no presente recurso é reportada a uma alegada violação dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, e do princípio da legalidade, derivados do princípio do Estado de direito democrático [artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa (CRP)]. A recorrente considera que a interpretação feita das normas legais é arbitrária, pelo que se mostraria violado o princípio da legalidade (na invocada vertente da vinculação do Estado e dos tribunais à lei). Alega também, a este respeito, que a interpretação feita pelo tribunal recorrido da norma contida no artigo 25.º, n.º 1, do RCP, mesmo conjugado com o disposto no artigo 14.º, n.º 9, do mesmo diploma, representa uma «decisão inesperada para o cidadão comum, baseada na arbitrariedade de interpretação de normas jurídicas vigentes» (cfr. alegações de recurso, fls. 1101), prevalecendo-se da legítima expectativa de que, decorrido o prazo do n.º 1 do artigo 25.º do RCP, nada mais lhe poderia ser exigido a título de custas de parte (cfr. idem , fls. 1099), pelo que não se mostra acautelada a «ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na atuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas» (cfr. idem , fls. 1101). Ora, não lhe assiste razão.

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