TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016
48 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL mente indispensável da apreciação dos factos para a formação do juízo de constitucionalidade por parte do mesmo Tribunal.” XXIII) No mesmo sentido, Marcelo Rebelo de Sousa, na Revista da Ordem dos Advogados , Ano 49, II, pp. 432 e segs.: “Não basta, para julgar da conformidade de uma norma legal com a Constituição, julgá-la independente- mente dos efeitos da sua aplicação concreta, sobretudo se esses efeitos já são apuráveis no momento em que o juízo de constitucionalidade ou inconstitucionalidade é formulado. E se essa aplicação conduzir a resultados inconstitucionais, porque esvaziando de sentido um princípio ou uma regra da Constituição, então a norma em causa é inconstitucional.” XXIV) É, justamente, com base nos factos que o Tribunal deu como assentes que os ora recorrentes sustentam a inconstitucionalidade das normas legais de cuja aplicação resultou o confisco perpetrado pelo Estado contra o Autor. XXV) Mais concretamente, os recorrentes argúem a inconstitucionalidade material dos artigos 18.º, n.º 1, 19.º e quadro anexo, 21.º e 24.º da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, e dos artigos 6.º a 8.º do Decreto-Lei n.º 332/91, de 6 de Setembro, XXVI) Já que estas mesmas disposições legais – com base nas quais foi fixado o valor da indemnização atribuída ao Autor – violam gritantemente os princípios de apropriação pública e o direito de propriedade privada, con- sagrados, respectivamente, nos artigos 83.º e 62.º da Constituição da República Portuguesa, bem como os princípios do Estado-de-Direito consagrados nos artigos 2.º, 17.º e 18.º da mesma Lei Fundamental. XXVII) As mencionadas disposições legais violam ainda os princípios consagrados na Constituição da República Portuguesa quanto ao direito internacional e a interpretação conforme a Declaração Universal dos Direitos do Homem, como ditam os artigos 8.º e 16.º, já que não resultam respeitados o direito de propriedade e o princípio da justa indemnização por nacionalizações, consagrados no Direito Internacional vinculativo para Portugal, como a Carta das Nações Unidas, os Pactos de 1966, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, as Directivas do Banco Mundial de 1992, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (e desig- nadamente o artigo 1.º, n.º 1 do Primeiro Protocolo Adicional). XXVIII) No entender dos recorrentes, as normas legais citadas conduziram à fixação das indemnizações em valores manifestamente desproporcionados, mesmo irrisórios, tendo em conta os valores reais das empresas objecto da nacionalização e a degradação do valor facial dos Títulos com que o Estado pagou os valores atribuídos às empresas. XXIX) Por isso, não resta outra solução que não declarar a sua inconstitucionalidade, por violação do disposto nos preceitos constitucionais invocados. XXX) Embora o Tribunal Constitucional não tenha assumido integralmente a posição que aqui sustentamos, a verdade é que da sua jurisprudência resulta a inconstitucionalidade das normas em causa, face à matéria de facto apurada. XXXI) Que se lembre a manifesta importância das declarações de voto de vencido que se vêm acumulando desde 1988. Nas palavras de Jorge Miranda ( Manual de Direito Constitucional, Tomo II, Coimbra Editora, 2007, p. 309) “há que estar atento às declarações de voto individuais apensas aos acórdãos (mormente as declara- ções de voto de vencido) e os próprios tribunais podem julgar amanhã diferentemente e, ao longo do tempo, evoluir da sua compreensão do texto.” XXXII) Para o Tribunal Constitucional, a indemnização pode não ser plena, mas tem de ser razoável e não manifes- tamente desproporcionada. XXXIII) Deste modo, e a partir do momento em que há o reconhecimento, por parte dos magistrados do Tribunal Constitucional, dos limites à razoabilidade e proporcionalidade de uma indemnização devida por nacionali- zação, torna-se imperativa uma evolução da compreensão da problemática em questão pela jurisprudência! XXXIV) Acompanhamos, assim, o Conselheiro Sousa Ribeiro: se uma indemnização correspondente a 38,81% é manifestamente desproporcionada, como qualificar uma indemnização correspondente a 5,2% (ou 2,5%) do valor das participações nacionalizadas?!
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