TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016

476 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL um controlo normativo de constitucionalidade, acompanharia, em suma, os fundamentos que em conver- gência se articulam no presente Acórdão, bem como aqueles que se referem estritamente ao conceito funcio- nal de norma desenvolvido pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, dispensando, no entanto, tudo o que em acrescento se afirma no respetivo ponto 10. – Joana Fernandes Costa. DECLARAÇÃO DE VOTO Aceitando a decisão do caso, não subscrevo, contudo, as afirmações feitas pelo Relator no ponto 10 do Acórdão, por entender que promovem uma visão demasiado restrita da intervenção do Tribunal Constitucio- nal, em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade, que não é imposta pela Constituição nem pela Lei Orgânica do Tribunal Constitucional. A minha divergência diz respeito ao conceito de norma e à exclusão das regras jurisdicionais criadas para o preenchimento de conceitos indeterminados e cláusulas gerais do âmbito do controlo de constitucionalidade. Está ultrapassada a conceção positivista do juiz como a mera boca que pronuncia as palavras da lei. Os juízes, quando aplicam direito, têm também uma função constitutiva ou criadora de normas jurídicas, assu- mindo, em particular, no preenchimento de conceitos indeterminados e cláusulas gerais, um papel de “legis- lador complementar” na feliz expressão de Baptista Machado. No exercício desta função, os tribunais têm o poder de criar regras com as caraterísticas da generalidade e da abstração, isto é, adotam critérios normativos na resolução de conflitos ou padrões de regulação do comportamento humano, que se desprendem das par- ticularidades do caso concreto e que são suscetíveis de aplicabilidade a outras situações. E é precisamente, neste contexto, por se tratar de normas com uma pluralidade de sentidos, que podem surgir interpretações normativas que sacrifiquem injustificadamente os direitos fundamentais a outros bens. OTribunal Constitucional, na sua jurisprudência, tem aceitado, mediante a observância de certos requi- sitos, controlar a constitucionalidade de normas construídas pelo julgador no preenchimento de cláusu- las gerais e num processo de integração de lacunas por analogia (cfr. Acórdãos n. os  213/94, n.º 829/96 e n.º 395/03, entre outros), aproximando assim o sistema de fiscalização concreta dos efeitos do recurso de amparo, embora de forma lateral e mitigada (cfr. Vital Moreira, “A fiscalização concreta no quadro do sis- tema misto de justiça constitucional,” in Boletim da Faculdade de Direito, Volume Comemorativo, Coimbra, 2003, p. 846). O sistema constitucional português é um sistema complexo misto, que incide apenas sobre normas, mas no seio do qual se assume, quer na jurisprudência constitucional, quer na doutrina, que não é apenas o preceito normativo, geral e abstrato, que está sujeito a controlo de constitucionalidade, mas também segmentos destes preceitos ou interpretações normativas desses preceitos, tal como foram estabelecidas pelo tribunal recorrido. Por muito que este conceito de norma seja criticado por alguma doutrina, que o con- sidera demasiado amplo, e, por isso, fomentador de incerteza jurídica e de subjetividade, é inegável que ele permitiu alargar as possibilidades de intervenção fiscalizadora do Tribunal Constitucional. Este papel do Tribunal Constitucional, enquanto fiscalizador de interpretações normativas elaboradas pelos tribunais comuns, está reconhecido pelo artigo 80.º, n.º 3, da LTC, que faculta ao Tribunal Constitucional que subs- titua à interpretação da lei feita pelo tribunal a quo a sua própria interpretação, para assim evitar um juízo de inconstitucionalidade. A dificuldade no estabelecimento de linhas de fronteira entre uma questão de inconstitucionalidade normativa de uma dada interpretação e as situações em que se está a controlar a decisão judicial em si mesma é inerente ao sistema e não deve ser eliminada através de uma redução das funções do Tribunal Constitucio- nal. Mas, por outro lado, a caraterização do sistema português como um sistema de “quase recurso de amparo”, usada para justificar a não introdução do recurso de amparo, aquando das revisões constitucio- nais de 1989 e de 1997, também não aproxima o sistema de fiscalização concreta da eficácia garantística de

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=