TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016

473 acórdão n.º 695/16 do disposto no artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos («CPTA»)». Em momento algum se afirma na decisão recorrida que resulta da lei – de algum preceito legal ou da conjugação de vários preceitos legais —, que os procedimentos de rescisão de contratos administrativos, em geral ou de certo tipo, com fundamento no seu incumprimento, não têm natureza sancionatória, ou que a preterição do direito de audiência prévia nesses procedimentos não constitui uma ofensa ao conteúdo essencial do direito fundamen- tal à audiência em processos de natureza sancionatória. O tribunal recorrido chega a essas conclusões, não através da interpretação de quaisquer disposições legais, mas através da interpretação do artigo 32.º, n.º 10, da Constituição. O raciocínio que seguiu foi explícito e linear. Consagrando a Constituição o direito de audiência em procedimentos sancionatórios, e prevendo a lei a nulidade dos atos administrativos que ofendam o conteúdo essencial de direitos fundamentais, colocam-se as questões de saber qual a extensão do conceito de «sanção» usado no texto constitucional, nomeadamente se abrange procedimentos como aquele que é considerado nos autos, e de saber qual é o perímetro de procedimentos sancionatórios que integra o «conteúdo essencial» do direito fundamental à audiência prévia, nomeadamente se compreende aqueles em que a sanção é a rescisão de um contrato administrativo por incumprimento e em que o exercício do contraditório seja dispensado mediante decisão expressamente fundamentada (ainda que, a final, errada). Sem dúvida que estas questões são de natureza constitucional. Porém, não dizem respeito à constitucio- nalidade de quaisquer normas legais aplicáveis ao caso sub judice mas à interpretação de preceitos constitucio- nais para as quais remete a própria lei aplicável ao caso e a cuja violação associa determinadas consequências. A questão que o recorrente coloca, pois, é a de saber se certa interpretação da Constituição é correta, e não se normas legais aplicadas pela decisão recorrida são inconstitucionais. Ora, dessa questão não pode o Tribunal Constitucional conhecer, porque a missão que lhe cabe, no sistema português de garantia da Constituição, é apenas a de controlar a adequação constitucional de normas. A correção jurídica das decisões judiciais, nomeadamente aquelas que se baseiam na interpretação e aplicação de preceitos constitucionais, é salvaguar- dada unicamente através do regime de recursos da ordem jurisdicional em que o processo se insere. 10. É certo que o recorrente alega sindicar a constitucionalidade das normas aplicadas pelo tribunal recorrido e não a própria decisão jurisdicional por aquele alcançada. Justifica-o dizendo que «o tribunal a quo, partindo embora do caso concreto, extraiu uma norma aplicável a qualquer resolução de um contrato administrativo com base no seu incumprimento: a de que o procedimento conducente a essa resolução não configura um processo sancionatório (para efeitos do artigo 32.º, n.º 10, da CRP), pelo que pode ser identificada uma «regra abstratamente enunciável» e também que «o tribunal a quo extraiu dos preceitos indicados uma norma aplicável à preterição do direito de audiência prévia em qualquer processo sancionató- rio (admite-se que com exceção dos processos criminais e contraordenacionais): a de que a preterição desse direito não consubstancia uma ofensa ao conteúdo essencial do direito fundamental (de audiência e defesa) estabelecido no artigo 32.º, n.º 10, da CRP).». Ambos os enunciados, argumenta o recorrente, contêm uma «regra abstrata», que «o tribunal a quo enunciou, “criou”», o que bastaria para preencher o pressuposto pro- cessual de um objeto normativo. Sucede que tal entendimento do conceito de norma, para efeitos de delimitação do objeto idóneo da fiscalização concreta da constitucionalidade, encerra um absurdo lógico e é funcionalmente inadequado. Por um lado, repare-se que se por «norma» se entendesse qualquer «regra abstrata» identificada pelo recorrente na decisão recorrida, a distinção entre norma e decisão seria inviável. Com efeito, estando os tribunais vinculados ao dever de fundamentar expressamente as suas decisões, articulando para elas razões imparciais e objetivas, e sendo as razões, hoc sensu , critérios de decisão universalizáveis, na medida em que dizem sempre respeito a toda uma série de casos potenciais para os quais são válidas, não há decisão juris- dicional alguma que não seja suscetível de uma tradução normativa nos termos defendidos pelo recorrente – que tenha por fundamento, quer isto dizer, uma «norma do caso» ou ratio decidendi . Em vez de lograr o

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