TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016

47 acórdão n.º 519/16 questão de extrema prudência, a valia financeira dos títulos de indemnização recebidos pelo Autor foi apurada tomando como referência a taxa de juro dos Títulos entregues pelo Estado da Classe I (13%).  XIV) Ora, esta taxa é ainda expoliatória, porque muito inferior às taxas normais em vigor durante o período em que os títulos foram amortizados (pagos) e até muito inferior às próprias taxas de inflação que o País conheceu durante o mesmo período. XV) Se, para calcular a valia financeira dos títulos com que o Estado pagou a indemnização tomássemos em consideração as taxas de inflação que o País teve durante o período da amortização, teríamos concluído que o Autor recebeu não mais do que cerca de 2,41% do valor devido. É este o resultado do apuramento a que chegou o prestigiado economista António Pinto Barbosa, Professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, através do estudo técnico já junto pelos ora recorrentes aos presentes autos, com as alegações de direito apresentadas em 20.12.2001. XVI) Por outro lado, analisada a questão numa perspectiva global, ou seja, para o universo das empresas nacionali- zadas, e tomando como padrão a taxa de juro das Obrigações da classe I (13%), a valia financeira dos Títulos do Tesouro dados em cumprimento aos titulares de empresas nacionalizadas, é a constante do facto provado em 13, também constante a fls. 1168 dos autos. XVII) Para os títulos da classe XII, que constituem 68,95% de todos os emitidos (cfr. ainda o facto provado em 10., a fls. 1167), a sua valia efectiva é de apenas 9,92% do valor facial (facto provado em 13., a fls. 1168 dos autos). XVIII) Estes dados resultam directamente da matéria dada como provada nos presentes autos e que fazem parte integrante da Sentença recorrida. XIX) É a partir desta base de facto que importa discutir a questão fulcral do processo, que é a de saber se as normas que conduziram àquela “indemnização” ofendem ou não os princípios Constitucionais. XX) E que não se tente retirar a importância da análise da factualidade subjacente ao presente recurso: “Os factos podem, ainda, relevar na modelação do conteúdo da própria decisão do Tribunal Constitucional”, como ensi- na Blanco de Morais ( Justiça Constitucional – Tomo II , Coimbra Editora, 2005, pp. 578 e segs.): “A concepção tradicional que concebe um juízo concreto de constitucionalidade impermeável a factos e circunscrito a uma seca e linear análise de conformidade entre uma “norma-parâmetro” e uma “norma-objecto” encontra-se parcialmente ultrapassada pela prática efetiva da Justiça Constitucional. A incidência e a relevância do facto sobre a questão de constitucionalidade pode, na realidade, revestir carácter multipolar, assumindo especial destaque como elemento auxiliar de interpretação, tendo em vista a dilucidação da relação de significado de uma norma quando aplicada a um caso concreto”. XXI) No que toca ao controlo concreto da constitucionalidade, o Professor considera que “a eventual aplicação dos referidos critérios a um caso singular pode implicar a valoração da envolvência fáctica desse mesmo caso, pois em muitos casos, só assim será possível avaliar se o mesmo deve, à luz de certos princípios jurídicos, ser imunizado dos efeitos sancionatórios da inconstitucionalidade.” XXII) Deste modo, “a matéria de facto respeitante ao processo-pretexto pode projectar-se no juízo de constitu- cionalidade, quando condiciona a razoabilidade da decisão recorrida ou quando implica um conjunto de valorações ou qualificações controvertidas que se repercutem no juízo de constitucionalidade. Trata-se do universo mais delicado na delimitação de fronteiras entre a competência da jurisdição constitucional e a competência do tribunal a quo , já que estando vedado ao primeiro apreciar e julgar a matéria de facto do processo pretexto, não pode ser, todavia, insensível ao modo como a decisão recorrida valora os mesmos factos, na medida em que essa valoração condicione decisivamente o juízo de constitucionalidade. (..) da “situação normativa” que envolve um incidente de inconstitucionalidade submetido à apreciação do Tribunal Constitucional implica que este possa valorar dados de facto, como os referidos no parágrafo anterior, na medida em que a mesma apreciação assuma necessário relevo pata a sua decisão em matéria de legitimidade constitucional. A essencialidade do relevo dessa apreciação é ditada pelo carácter manifesta-

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