TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016
462 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL inteiramente sacrificado com tal previsão legislativa, por se entender que ela apenas opera uma transferência da obrigação pela liquidação da coima e já não da responsabilidade pelo ilícito contraordenacional em si mesmo considerado. Uma argumentação que não posso subscrever. Não é a circunstância de não se transmitir a “autoria do ilícito” – enunciado que se acha, antes, em estreita conexão com os imperativos da legalidade e da culpa – que assegura a salvaguarda do princípio de proibição de transmissão da responsabilidade enquanto máxima que incide, primacialmente, sobre a sanção. É precisamente em tal paradoxo – ou seja, de se impor o pagamento da coima a um indivíduo que o ordenamento jurídico não reconhece como tendo participado na realização do ilícito contraordenacional, não ostentando, paralelamente, qualquer culpa ou contribuição para o come- timento dos factos subjacentes à infração – que radica o juízo de desconformidade constitucional que, a meu ver, atinge a norma ínsita no n.º 3 do artigo 551.º do Código do Trabalho. Parece-me, em síntese, que a responsabilização pela sanção de terceiro estranho ao facto da contraordenação – nisso, com efeito, se traduz a dimensão normativa em sindicância, na parte em que admite a responsabilização pela coima de um agente a que não é possível imputar uma conduta ilícita nem dirigir um juízo de censura – traduz um incontornável e injustificado atropelo do n.º 3 do artigo 30.º da Constituição da República Portuguesa, transposto para o ilícito de mera ordenação social. Precisamente porque nem sequer assegura o grau mínimo do programa de tutela de que aquele imperativo é portador. Tanto mais quanto é certo que se trata de responsabilizar alguém que não figurou sequer como sujeito processual no procedimento que conduziu à aplicação da sanção. Recordemos, nesta vertente, que o princípio da pessoalidade das penas implica, para a jurisprudência tradicional do Tribunal Constitucional, “ a) extinção da pena e do procedimento criminal com a morte do agente; b) proibição da transmissão da pena para familiares, parentes ou terceiros; c) impossibilidade de sub- -rogação no cumprimento das penas” (Acórdão n.º 337/03, na esteira, aliás, de Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 3.ª edição, 1993, p. 197). Um princípio, cujo núcleo irredutível, necessariamente válido e vigente no contexto do direito contraordena- cional e como tal subtraído à discricionariedade do legislador ordinário, não pode deixar de determinar a desconformidade com a Constituição de uma norma como aquela de que aqui curamos. Na certeza de que a contrariedade constitucional que atinge a norma, não resulta comprometida pelos esforços de enquadramento da questão como um problema de pendor eminentemente civilístico. E a considera- ção, nesta linha, de se estar em face da mera mobilização da disciplina da solidariedade passiva. O que permitia levar o n.º 3 do artigo 551.º do Código do Trabalho à conta de uma simples garantia patrimonial exigida ao administrador e já não como uma qualquer transmissão da responsabilidade pela prática da infração. 3. A solidariedade passiva pelo cumprimento de um dado crédito ou prestação correspondente a uma sanção pecuniária envolve, naturalmente, a transmissão da responsabilidade pela infração. O que já foi, aliás, enunciado pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 171/14 ao declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma do n.º 7 do artigo 8.º do Regime Geral das Infrações Tributárias. Recorda-se que, ao cuidar da conformidade constitucional da responsabilização solidária dos gerentes e administradores que hajam colaborado dolosamente na prática de infração pelo cumprimento das penas de multa aplicadas à sociedade, estabeleceu o Tribunal Constitucional que: «Ainda que a obrigação solidária surja qualificada formalmente como uma obrigação de natureza civil, com subordinação aos princípios gerais da solidariedade passiva, ela não deixa de representar, na prática, uma conse- quência jurídica do ilícito penal que foi diretamente imputado à pessoa coletiva. Isto porque a responsabilidade solidária, ainda que dependente de uma conduta dolosa do administrador ou gerente, assenta no próprio facto típico que é caracterizado como infração. Ora, a imposição de uma responsabilidade solidária a terceiro para pagamento de multas aplicadas à pessoa coletiva, independentemente de ele poder ser corresponsabilizado como coautor ou cúmplice na prática da infra- ção – tal como admite o n.º 7 do artigo 8.º –, configura uma situação de transmissão da responsabilidade penal,
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