TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016

461 acórdão n.º 691/16 DECLARAÇÃO DE VOTO Votei vencido por considerar, ao contrário do entendimento que fez vencimento, que a norma do n.º 3 do artigo 551.º do Código do Trabalho viola o artigo 30.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa. 1. Não se ignoram as significativas diferenças que medeiam entre o ilícito de mera ordenação social e o ilícito criminal, não sendo legítima uma transposição automática e generalizada da “Constituição Penal” para o domínio contraordenacional (Acórdãos do Tribunal Constitucional n. os 160/04 e 161/04). A autono- mia existente em matéria de ilícito e sanção – que decorre da distinta gama de bens jurídicos tutelados, do grau de ofensividade e de censura ética das condutas proibidas, da estigmatização das sanções e das próprias finalidades que estas almejam alcançar – justifica que os princípios constitucionais em matéria criminal não possam valer com a mesma amplitude e na plenitude das suas exigências quando mobilizados para o plano contraordenacional. Mas isto não prejudica nem neutraliza os irredutíveis momentos de comunicabilidade entre os dois ordenamentos. Também o direito de mera ordenação social configura um ordenamento sancionatório, em termos tais que a menor ofensividade do ilícito e a sua diferente censurabilidade não podem conduzir a uma completa erosão e silenciamento da tutela constitucional, com a consequente supressão das garantias mínimas reconhecidas num Estado de direito (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 227/92). Se a menor ressonância ética do domínio contraordenacional obriga a reconhecer uma superior liberdade de conforma- ção ao legislador ordinário, temos, ainda assim, que o seu regime não pode por em causa o núcleo basilar dos imperativos constitucionais objeto de transposição. Tal vale sobremaneira para o princípio da pessoalidade das penas, consagrado no n.º 3 do artigo 30.º da Constituição da República Portuguesa, que não pode deixar de ter reflexos no domínio contraordenacional. E de aí fazer valer o núcleo irredutível do seu programa de tutela. A ideia segundo a qual o cumprimento da pena não pode ser imposto a pessoa distinta daquele que praticou o facto criminoso apresenta-se como um dos baluartes fundamentais do direito criminal. De forma radical, sem facto não pode haver sanção. Assim com- preendido, o princípio da pessoalidade da sanção constitui como que uma categoria transcendental de todo o direito sancionatório. É, por isso, necessariamente extensível a outros planos onde se comine a aplicação de uma sanção estadual ao agente na decorrência do cometimento de uma infração. Vale por dizer, em todos os sistemas normativos que mobilizem reações contrafáticas como resposta a uma conduta praticada no passado. Como sucede paradigmaticamente com o ilícito de mera ordenação social, reconhecidamente o mais drástico dos ordenamentos sancionatórios a seguir ao direito criminal. Em definitivo: também o ilícito de mera orde- nação social reclama um princípio de proibição da transmissão da responsabilidade na vertente sancionatória. Acolhendo-me à lição de Jahn/Brodowski, por sua vez a fazerem-se eco da doutrina do Tribunal Constitu- cional Federal alemão: “A cominação e imposição de uma sanção – não apenas de uma pena criminal stricto sensu – leva consigo um complementar momento comunicativo-expressivo: ela contém a confirmação de um compor- tamento indevido, estando em primeira linha orientado para a alteração do comportamento futuro do arguido (…) dirige ao arguido uma mensagem de cunho sócio-terapêutico com o conteúdo de um ‘nunca mais’. O que só faz sentido se reportado a um comportamento concretamente delimitado e individualizado, o ‘facto’ em sentido processual (…) Isto vale tanto para uma coima aplicada e comunicada por via postal como para uma condena- ção penal no contexto de um formalizado julgamento público. Apenas a medida dos demais e complementares momentos pode divergir consoante a natureza da sanção e a índole do processo” (M. Jahn/D. Brodowski, “ Krise und Neuaufbau eines strafverfassungsrechtlichen ultima Ratio-Prinzips”, Juristenzeitung, 2016, p. 975). 2. Tal entendimento foi já, de resto, assumido pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 201/14 no contexto de uma apreciação da solvabilidade constitucional da norma do n.º 3 do artigo 551.º do Código do Trabalho, sendo, identicamente, acolhido por remissão no Acórdão n.º 395/14 e no presente aresto. Isto não obstante se ter então concluído que o princípio da proibição da transmissão da responsabilidade não resulta

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