TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016

46 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL II) Na verdade, a recorribilidade contenciosa do acto administrativo do Governo que fixa os valores indem- nizatórios está muito longe de assegurar a garantia da plena jurisdicionalização do conflito substancial que opõe a Administração aos particulares, uma vez que tal recurso está circunscrito à legalidade do acto impugnado. III) É evidente que tal recurso não dá plena satisfação, nem sequer mínima satisfação, ao princípio da reserva aos Tribunais da função jurisdicional, na qual indiscutivelmente se inclui a resolução do conflito de interesses sus- citado entre a Administração e os particulares a propósito da determinação do valor indemnizatório devido pelo acto da nacionalização. IV) Como afirma Marcelo Rebelo de Sousa (cfr. Direito e Justiça , Vol. V, 1991, p. 93), a mera recorribilidade contenciosa do acto administrativo que fixa o valor da indemnização, não assegura a plena jurisdicionalização da questão substancial, “pois o recurso contencioso de anulação está circunscrito à legalidade do acto e não pode apreciar a titularidade e conteúdo do direito que integra a relação material controvertida senão na exacta medida em que tal releva para o apuramento da legalidade do acto administrativo em causa.” V) Mesmo inexistindo qualquer preceito legal que expressamente conferisse aos particulares o direito de recurso aos Tribunais para a resolução desse conflito, é evidente que esse direito adjectivo é consequência directa do direito substantivo à indemnização resultante dos actos das nacionalizações, direito, aliás, reconhecido por todos os diplomas legais que determinaram as nacionalizações. VI) Tal como consta do facto 11 da matéria provada na Sentença recorrida, e tomando em conta as participações sociais de que o A. era titular (facto 1 da matéria provada), a essas participações corresponde o valor total de Esc. 10 591 271,986 valor reportado à data das nacionalizações das respectivas empresas. VII) OGoverno, através do Ministério das Finanças atribuiu às mesmas participações o valor de Esc. 2 715 831,504 (facto 5 da matéria dada como provada), reportado à mesma data. VIII) Existe, pois, um enorme desfasamento entre o valor que o Governo atribuiu às participações sociais do Autor e os valores resultantes da matéria dada como provada no facto 11, constante de fls. 1167 dos autos. IX) Sucede, no entanto, que o Estado não pagou esse valor na data em que transferiu as empresas nacionalizadas do património dos seus accionistas para o seu património. X) O valor indemnizatório fixado, por arredondamento, 3 013 419 contos, foi pago ao Autor através da entrega de 3 013 419 títulos da dívida pública, do valor nominal de 1.000$00 cada, distribuídos pelas classes I a XII constantes no quadro anexo à Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, nas quantidades e vidas médias constantes dos factos provados em 8 e 9, constantes de fls. 1166 dos autos. XI) Resulta directamente dos elementos constantes no facto 12 da Sentença recorrida que o valor efectivo da indemnização que foi paga ao Autor corresponde a 5,2% do valor que deveria ter sido pago, tomando em conta o valor real das participações nacionalizadas em 1975 e a desvalorização decorrente dos longos prazos de amortização dos títulos da dívida pública com que o Estado pagou e a taxa de juro paga pelo deferimento do pagamento. XII) Este enorme desfasamento entre o valor a que o Autor / recorrentes se acha com  direito e o valor que recebeu, resulta de dois factores:   – primeiro, a deficiente avaliação dos bens nacionalizados, como resultou demonstrado pelo facto provado em 11., a fls. 1167 dos autos; e – segundo, o facto de a Lei n.º 80/77 ter estabelecido prazos de amortização dos Títulos do Tesouro dados ao Autor, em cumprimento da obrigação de indemnizar, de longo prazo (a quase totalidade são da classe XII com uma vida média de 16,5 anos) e taxas de juro anuais irrisórias, muito abaixo das próprias taxas de inflação (cfr. facto provado em 12., a fls. 1168 dos autos. XIII) Note-se que o resultado a que se chegou no apuramento do valor efectivo recebido pelo Autor (5,2% do valor devido) está ainda calculado de modo extremamente favorável ao Estado, na medida em que, por uma

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