TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016
457 acórdão n.º 691/16 Como se escreve no Acórdão n.º 336/08: «A diferente natureza do ilícito condiciona, desde logo, a eventual incidência dos princípios da culpa, da pro- porcionalidade e da sociabilidade. É que “no caso dos crimes estamos perante condutas cujos elementos constitutivos, no seu conjunto, suportam imediatamente uma valoração – social, moral, cultural – na qual se contém já a valoração da ilicitude. No caso das contraordenações, pelo contrário, não se verifica uma correspondência imediata da conduta a uma valoração mais ampla daquele tipo; pelo que, se, não obstante ser assim, se verifica que o direito valora algumas destas con- dutas como ilícitas, tal só pode acontecer porque o substrato da valoração jurídica não é aqui constituído apenas pela conduta como tal, antes por esta acrescida de um elemento novo: a proibição legal.” (Figueiredo Dias, na ob. cit. , pág. 146). Da autonomia do ilícito de mera ordenação social resulta uma autonomia dogmática do direito das contraorde- nações, que se manifesta em matérias como a culpa, a sanção e o próprio concurso de infrações (vide, neste sentido, Figueiredo Dias na ob. cit. , p. 150). Não se trata aqui “de uma culpa, como a jurídico-penal, baseada numa censura ética, dirigida à pessoa do agente e à sua atitude interna, mas apenas de uma imputação do facto à responsabilidade social do seu autor; dito de outra forma, da adscrição social de uma responsabilidade que se reconhece exercer ainda uma função positiva e adjuvante das finalidades admonitórias da coima” (Figueiredo Dias em “O movimento da descriminalização e o ilícito de mera ordenação social”, in Jornadas de Direito Criminal: O Novo Código Penal Português e Legislação Complementar , I, p. 331, da ed. de 1983, do Centro de Estudos Judiciários). E por isso, se o direito das contraordenações não deixa de ser um direito sancionatório de caráter punitivo, a verdade é que a sua sanção típica “se diferencia, na sua essência e nas suas finalidades, da pena criminal, mesmo da pena de multa criminal (…) A coima não se liga, ao contrário da pena criminal, à personalidade do agente e à sua atitude interna (consequência da diferente natureza e da diferente função da culpa na responsabilidade pela contraordenação), antes serve como mera admoestação, como especial advertência ou reprimenda relacionada com a observância de certas proibições ou imposições legislativas; e o que esta circunstância representa em termos de medida concreta da sanção é da mais evidente importância. Deste ponto de vista se pode afirmar que as finalidades da coima são em larga medida estranhas a sentidos positivos de prevenção especial ou de (re)socialização.” (Figuei- redo Dias, em “ Temas Básicos da Doutrina Penal ”, pp. 150-151, da ed. de 2001, da Coimbra Editora). Daí que, em sede de direito de mera ordenação social, nunca há sanções privativas da liberdade. E mesmo o efeito da falta de pagamento da coima só pode ser a execução da soma devida, nos termos do artigo 89.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, e nunca a da sua conversão em prisão subsidiária, como normalmente sucede com a pena criminal de multa. Por outro lado, para garantir a eficácia preventiva das coimas e a ordenação da vida económica em setores em que as vantagens económicas proporcionadas aos agentes são elevadíssimas, o artigo 18.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 433/82 (na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 244/95), permite que o limite máximo da coima seja elevado até ao montante do benefício económico retirado da infração pelo agente, ainda que essa elevação não possa exceder um terço do limite máximo legalmente estabelecido, erigindo, assim, a compensação do benefício económico como fim específico das coimas. Estas diferenças não são nada despiciendas e deverão obstar a qualquer tentação de exportação imponderada dos princípios constitucionais penais em matéria de penas criminais para a área do ilícito de mera ordenação social». É por isso que, impendendo sobre a entidade patronal o dever legal de garantir as condições de segu- rança no trabalho desenvolvido em estaleiros temporários previstas no Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29 de outubro, ela é contraordenacionalmente responsável, nos termos desse diploma, não apenas nas hipóteses em que, por ação sua, tiver diretamente originado o resultado antijurídico, mas ainda no contexto de uma
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