TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016
456 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL das regras de segurança no trabalho. No seu entender, o empregador não pode ser responsável por infrações às regras de segurança quando confia a planificação, direção e monitorização da segurança de uma obra a técnicos superiores que desenvolvem, com autonomia, essa atividade; nesse caso, a responsabilidade do empregador corresponderá a sancionar um arguido independentemente de culpa ou negligência. Nesta dimensão normativa, o que essencialmente se questiona é o conceito de autor no âmbito da res- ponsabilidade contraordenacional. A sociedade impugnante foi condenada pela prática de duas contraordenações: (i) inexistência de plano de segurança e saúde (PSS) na fase de execução da obra, designadamente o plano de trabalhos com riscos especiais (PTRE) relativo aos trabalhos de escavações [dever imposto na alínea f ) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 273/2003, de 20 de outubro]; (ii) e inexistência no estaleiro da obra de um registo que permita conhecer quem se encontra, em cada momento, a trabalhar na obra (dever imposto pelo n.º 1 do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 273/2003). O recorrente considera que a inexistência do PTRE e do registo de obra atualizado são omissões que devem ser imputadas exclusivamente aos técnicos da obra, a quem confiou a planificação, direção e monitori- zação, e por isso, a responsabilidade prevista no n.º 1 do artigo 551.º do CT é inconstitucional, por conduzir à aplicação de uma sanção sem culpa. No âmbito das contraordenações, a jurisprudência uniforme do Tribunal Constitucional é no sentido de que a imputação de um facto a um agente tem por referente legal e dogmático um conceito extensivo de autoria de matriz causal. Conforme se afirma, por exemplo, no Acórdão n.º 45/14, que sindicou a constitucionalidade de norma idêntica à impugnada: «(É) considerado autor de uma contraordenação todo o agente que tiver contribuído causal ou cocausalmente para a realização do tipo, ou seja, que haja dado origem a uma causa para a sua realização ou que haja promovido, com a sua ação ou omissão, o facto ilícito, podendo isso ocorrer de qualquer forma (cfr. Frederico Lacerda da Costa Pinto, em “O ilícito de mera ordenação social”, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 7, Fasc. 1, p. 25-26). O relevo da opção legal por um conceito extensivo de autor no âmbito da responsabilidade contraordenacional, por oposição ao conceito restritivo de autoria que vigora, em regra, no domínio do direito penal, é especialmente percetível nas hipóteses em que, como na presente situação, os factos cometidos envolvem a estrutura orgânica e funcional de uma empresa. Esta construção é uma decorrência lógica da existência no direito de mera ordenação social de normas de dever, cujo incumprimento é sancionado com coimas. Se o sistema impõe deveres a um leque alargado de destinatários é porque lhes reconhece capacidade para os cumprir e também para os violar. Daí que, apurando-se a violação do dever legalmente estabelecido os destinatários do mesmo serão responsáveis por essa violação. “O critério de delimitação da autoria nestes tipos de ilícito não é o do domínio do facto, mas sim o da titularidade do dever” (Frederico Lacerda da Costa Pinto na ob. cit. , p. 48). É nesta lógica que, em casos como este, a regra de imputação colocada pelo conceito extensivo de autor condu- zirá à responsabilização da entidade dirigente titular do dever de garante sempre que se tenha verificado o resultado (a inobservância do dever) que ela se encontrava legalmente incumbida de evitar». Desta jurisprudência resulta que a presunção iuris tantum de imputação da violação de um dever de comportamento à entidade patronal, ainda que praticada pelos seus trabalhadores, e a projeção que ela tem no domínio da culpa, deve-se ao facto de se presumir que a entidade patronal não adotou as medidas neces- sárias a impedir a ocorrência do evento contraordenacional. Se essa presunção pode ser problemática no domínio do direito penal, não suscita reservas no domínio contraordenacional, já que a diferente natureza dos ilícitos e das sanções justifica maior flexibilidade na aná- lise dos pressupostos da imputação.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=