TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016

428 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL direito à percepção da pensão de sobrevivência a partir do mês seguinte ao decesso do de cujus , teremos de julgar que o artigo 6.º da Lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto, introduz um elemento que distorce essa almejada igualdade.» Apesar destas dúvidas, o tribunal recorrido adere à «interpretação» segundo a qual o preceito acolhe uma «solução normativa» que «introduz um elemento que distorce» o «escopo genérico da lei» porque entende que só ela preserva o «intuito proclamado ex professo na própria norma em apreço: assegurar a previsibilidade das despesas(…) em virtude do previsível alargamento do universo de beneficiários da pensão de sobrevivência.» Sucede que este passo da sentença recorrida encerra um non sequitur . A preocupação do legislador em «assegurar a previsibilidade das despesas» não implica seguramente a necessidade ou mesmo a utilidade de eliminar a despesa, previsível na vigência da lei antiga, com pensões cujos requerentes tenham demonstrado os requisitos por aquela exigidos. Os riscos orçamentais que motivaram a inserção do artigo 6.º no diploma que consagra o novo regime prendem-se exclusivamente – como é evidente – com o provável acréscimo de despesa gerado pela ampliação do universo potencial de beneficiários e pela mitigação do ónus processual da atribuição da pensão. É certo que o desiderato do controlo orçamental admite duas interpretações diversas: uma segundo a qual o legislador procurou simplesmente manter o equilíbrio orçamental no ano em curso, caso em que nada obstaria a que se aplicassem aos pedidos pendentes em 1 de janeiro de 2011 os requisitos relativamente generosos da lei nova, e uma outra nos termos do qual o legislador pretendeu conter o aumento da despesa com pensões, caso em que o novo regime apenas se aplicaria aos pedidos posteriores a 1 de janeiro de 2011. A opção por uma ou outra interpretação, a que podem acrescer outras considerações pertinentes, nomea- damente a igualdade de tratamento dos requerentes cujos pedidos tenham sido formulados no decurso da vigência da lei antiga, é da maior relevância para decidir a questão do regime aplicável aos pedidos pendentes no momento da produção de efeitos da lei nova que apenas preencham os requisitos previstos nesta. O que essa dúvida interpretativa quanto ao alcance do artigo 6.º da Lei n.º 23/2010, de 30 de agosto, não importa, e não importa claramente, é qualquer supressão do direito a receber a pensão, desde o momento em que esta é devida nos termos do Decreto-Lei n.º 322/90, de 18 de outubro, daqueles requerentes que, como o tribunal a quo entende ser o caso da recorrida, preencham as condições relativamente exigentes da lei antiga. O preceito em causa não é pura e simplesmente aplicável em tais situações; e não o sendo, não constitui qualquer impedimento à atribuição do direito à pensão nos termos em que o faz a sentença recorrida. A «norma» desaplicada pelo tribunal a quo constitui, pois, na economia de fundamentação da própria sentença recorrida, um obstáculo meramente aparente. 13. Não cabe à jurisdição constitucional, em princípio, sindicar a interpretação que os tribunais comuns fazem da lei ordinária. Assim é porque o Tribunal Constitucional tem a sua razão de ser na especialidade dos problemas que se lhe colocam, e que dizem respeito à interpretação de uma lei diferente das outras – a lei constitucional – e à realização de uma justiça diferente das outras – sobre normas. A interpretação e aplicação das leis ordinárias a litígios é o domínio próprio e exclusivo dos tribunais comuns. Mas é justamente por essa razão que não pode o Tribunal Constitucional conhecer do objeto de recursos de constitucionalidade artificiais, ainda que ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC. Recursos esses em que se não coloca um genuíno problema de constitucionalidade normativa, porque a «norma» desaplicada, não sendo aplicável ao caso, é uma realidade apenas virtual no processo. É isso que resulta do entendimento pacífico de que os recursos de constitucionalidade desempenham uma função instrumental no processo. Como se afirmou no Acórdão n.º 819/14, em que o Tribunal Constitucional recusou conhecer do objeto de um recurso interposto com fundamento na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC: «[N]o plano dos pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade, constitui requisito indispensável a suscetibilidade de a norma recusada se dever apresentar como uma norma aplicável à situação sub iudicio ,

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