TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016
422 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL n.º 23 /2010, de 30 de agosto. Ou seja, ciente do alargamento substancial do universo de beneficiários que operava pela Lei n.º 23/2010, de 30 de agosto, também por força da aplicação imediata e retrospetiva da mes- ma lei, inclusive aos processos que iá estivessem pendentes nos tribunais judiciais à data da entrada em vigor daquele diploma, o legislador, receoso das repercussões orçamentais que se iriam fazer sentir, determinou que as todas prestações sociais aqui em apreço, indiscriminadamente, conhecessem termo a quo no dia da entrada em vigor da lei orçamental para o exercício subsequente à entrada em vigor da lei (ou seja, 01.01.2011 – cfr. artigo 6.º da Lei n.º 23/2010, de 30 de agosto conjugado com o artigo 18.º da Lei do Orçamento Geral do Estado para o exercício de 2011, aprovada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro). Porém, ao fazê-lo, desconsiderou a legítima expectativa da autora (e de outros beneficiários em situação idêntica) em perceber a pensão de sobrevivência a partir do dia 1 do mês imediatamente seguinte ao óbito do membro da união de facto beneficiário da Segurança Social, expectativa que encontrava respaldo, não só no regime pretérito para os membros sobrevivos da união de facto; como também no regime jurídico constituído, então e agora, para os cônjuges ou herdeiros hábeis do de cuju s beneficiário da Segurança Social. (…) cxl. A primeira questão com que temos de nos defrontar é a seguinte: será legítimo inferir ter sido intenção do legislador, ao consagrar a norma do artigo 6.º da Lei n.º 23/2010, de 30 de agosto, deixar desprotegidos todos aqueles que já mereciam, reconhecidamente, a tutela que era oferecida, na sua integralidade, pelo regime anterior ao regime inovador que era consagrado – sobretudo quando tomamos por assente, por ser alheio a qualquer controvérsia, que esse novo regime é globalmente (ou seja, apartado o preceito ora sindicado) bem mais favorável? Dito por outras palavras: como deve ser, em bom rigor, interpretada a norma em apreço? (…) cxlv. Estamos já cientes do teor da norma ora apreciada. E a sua redação é cristalina: «Os preceitos da presente lei com repercussão orçamental produzem efeitos com a Lei do Orçamento do Estado posterior à sua entrada em vigor». Mas, apesar da redação inequívoca do preceito, será legítimo julgar que a mesma corresponde integralmente à mens legis , atenta a sua inserção sistemática, histórica e teleológica? (…) clix. Se assim é, não podemos deixar de estranhar a solução normativa do artigo 6.º da Lei n.º 23/2010, de 30 de agosto. Sendo o escopo genérico da lei em que se insere aquele preceito, como é, promover a igualdade na proteção social oferecida aos membros sobrevivos da união de facto e no casamento, e tendo estes últimos direito à percepção da pensão de sobrevivência a partir do mês seguinte ao decesso do de cujus, teremos de julgar que o artigo 6.º da lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto, introduz um elemento que distorce essa almejada igualdade. clx. No entanto, reconhecemos que esta constatação deve ser compaginada com o intuito proclamado ex professo na própria norma em apreço: assegurar a previsibilidade das despesas com que terá de incorrer o orçamento das Segurança Social em virtude do previsível alargamento do universo de beneficiários da pensão de sobre- vivência, ex vi nova disciplina constante da mesma lei. (…) ccixxi. De todo o modo, atento o que ficou estabelecido adrede em sede de violação dos princípios da confiança, da proporcionalidade e da igualdade, e para melhor definição do acertamento devido por efeito da presente decisão, impõe-se uma pronúncia condenatória, nos termos requeridos pela autora. ccixxii. Nessa medida, julgada verificada a violação dos princípios da confiança, da proporcionalidade e da igualda- de, e ao abrigo dos poderes de pronúncia que decorrem dos artigos 66.º, n.º 2, e 71.º, ambos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, importa condenar a entidade demandada a: i) manter o ato impugnado, na parte não declarada nula pela presente decisão (ou seja, na parte em que deferiu a pretensão da autora com vista à perceção da pensão de sobrevivência); ii) reportar o início da pensão de sobrevivência ao dia 01.01.2003, por ser o mês seguinte ao decesso do contribuinte com quem a autora vivia em união de facto há mais de 2 anos; e, nessa medida, iii) pagar à autora o montante de € 21 832,32 relativos às pensões de sobrevivência, vencidas desde janeiro de 2003 até 01.01.2011.
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