TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016

416 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL presente processo. A norma ora objeto de apreciação impõe o sacrifício absoluto, em qualquer caso, do direito do credor, independentemente de a realização do seu direito pôr em causa o mínimo para uma sub- sistência condigna do devedor. Assim, contrariamente ao afirmado, a tese que fez maioria no Acórdão aceita como conforme à Cons- tituição uma norma que sacrifica totalmente um direito de crédito, ignorando a ponderação entre os dois direitos a que, todavia, faz incondicional apelo ao longo da fundamentação, por referência à jurisprudên- cia do Tribunal Constitucional que cita (Acórdãos n. os 349/91 e 657/06). O acórdão recorrido recusou a aplicação do artigo 78.º da Lei n.º 98/2009, por a ponderação entre os dois direitos lhe estar vedada pela norma cuja não inconstitucionalidade agora se afirma – pelo que a consequência desta decisão do Tribunal Constitucional não será uma reponderação entre as duas posições jusfundamentais em confronto, mas a aceitação do sacrifício total da posição do credor através da revogação da ordem de apreensão correspon- dente a qualquer fração de crédito atribuído ao insolvente decorrente de indemnização por acidente de trabalho. 4. Esta aceitação da prevalência total do direito do devedor sobre o direito do credor parece suportar-se – de acordo com a tese que fez vencimento – na expressão que a indemnização representa na tutela conferida a um direito absoluto constitucionalmente reconhecido em cuja violação o direito à reparação surge como um postulado intrínseco da efetividade da tutela jurídica condensada no direito do respetivo titular (ponto 2.2.1). Nesta perspetiva, o crédito de indemnização em virtude de acidente de trabalho surge, portanto, como expressão da tutela conferida a um direito absoluto constitucionalmente reconhecido. Compreende-se a preferência que deve merecer a reconstituição da perda da capacidade de traba- lho. O que já não se compreende nem aceita é a afirmação da sua sobreposição a qualquer outro direito de crédito, sem ponderação do peso relativo das posições jurídicas subjetivas em confronto, ainda que numa dimensão tendencialmente objetiva. Ambos são direitos de crédito, constitucionalmente tutela- dos – mas o Tribunal Constitucional, na decisão agora proferida, admite a restrição total do direito do credor. Qual a razão para sacrificar sempre o direito do credor ignorando-se as consequências que esse sacrifício pode representar na sua esfera jurídica? Qual o facto gerador do seu direito? Nunca se chega a identificar. Criticando o acórdão recorrido por ter afirmado a desproporção em abstrato, sem ponderar a situação do sinistrado, a tese que fez vencimento afirma, todavia, também em abstrato, a não desproporção sem ponderar a situação do credor. Como pode afirmar-se a necessidade de especial consideração da posição do sinistrado devedor e não se atender à posição do credor, cujo direito fundamental é restringido pela norma em causa? Será legítimo – por exemplo – salvaguardar a impossibilidade de apreensão de qualquer fração do direito de indemnização por acidente de trabalho diante da reivindicação de alimentos apresentada pelo filho do sinistrado insolvente? 5. A preferência que possa merecer a reparação da incapacidade de trabalho não poderá deixar de ser devidamente equacionada na ponderação a empreender face ao direito que se contrapõe à sua intangibili- dade. De contrário cair-se-á numa solução excessiva que, no limite, aceita mesmo conviver com a privação total de direitos tão “absolutos” como os do credor de indemnização por acidente de trabalho. É essa ponderação que é vedada pela norma aceite como conforme à Constituição no presente Acórdão. Por isso mereceu a minha discordância. – Maria de Fátima Mata-Mouros.

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