TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016

414 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL valores existentes no seu património, pela sua origem e função, sejam subtraídos ou imunizados a essa garan- tia patrimonial, no sentido em que ela envolve a possibilidade de transferência desses valores, à partida (como direitos do devedor), para um terceiro. No confronto entre o direito dos credores à satisfação dos seus créditos através do património do deve- dor e o direito deste à efetiva reparação dos seus danos, com base nas regras especiais do direito infortunístico laboral, há que concretamente ponderar cada uma das situações envolvidas, o que poderá resultar na (pro- porcionada) restrição do primeiro, por não se poder afirmar, certamente não com o sentido total e abstrato que subjaz à decisão recorrida, que deva, em qualquer caso, prevalecer sobre o segundo. 2.3. Pelas razões que antecedem, resta-nos concluir pela procedência do recurso interposto, com a con- sequente necessidade de reforma da decisão recorrida em conformidade com o juízo de não inconstitucio- nalidade ora afirmado. Antes, porém, aqui se deixa sumariado o antecedente percurso argumentativo (artigo 663.º, n.º 7, do CPC, ex vi do disposto no artigo 69.º da LTC): I – O artigo 78.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro (que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, incluindo a reabilitação e reintegração profissionais), prevê que os créditos provenientes do direito à reparação estabelecida nesse diploma são inalienáveis, impenhoráveis e irrenunciáveis e gozam das garantias consignadas no Código do Trabalho; II – O artigo 62.º, n.º 1, da Constituição, não tutela unicamente os direitos reais, mas também a satisfação dos direitos de crédito à custa do património do devedor (garantia patrimonial); III – A afetação dos direitos dos credores decorrente da impossibilidade de apreensão para a massa insolvente de indemnizações por acidente de trabalho é tolerável, desde que se contenha na medida necessária e suficiente para assegurar um mínimo de sobrevivência condigna ao devedor (sinistrado devedor); IV – O direito à indemnização de danos corresponde a uma imposição decorrente do princípio do Estado de direito democrático, consubstanciando, também, uma vertente específica da tutela dos direitos individuais. Consequentemente, o direito a uma indemnização e a obrigação de indemnizar não devem ser olhados de forma desligada das respetivas implicações na tutela dos direitos; V – A indemnização atribuída ao sinistrado no quadro da Lei n.º 98/2009 traduz uma forma de tutela de direitos atingidos no acidente de trabalho, ainda que nem sempre integral ou exclusiva; VI – A desproporção da regra da insusceptibilidade de apreensão para a massa insolvente de uma indemnização por acidente de trabalho não pode afirmar-se sem atender, também, ao direito tutelado por essa via indemni- zatória, já que, em última análise, a supressão ou diminuição daquela quantia na esfera jurídica do sinistrado atingirá tutela de um certo direito absoluto que poderá ter acolhimento na Constituição; VII – Não deve perder-se de vista, em tal ponderação, a especial natureza da indemnização por acidente de traba- lho, indissociável da perda efetiva funcional e física, temporária ou permanente, parcial ou absoluta, que visa reparar, não permitindo que o sacrifício dos credores se equacione isoladamente, desligado dessa natureza e da função da obrigação de indemnizar o sinistrado; VIII – No confronto entre o direito dos credores à satisfação dos seus créditos através do património do devedor e o direito deste à efetiva reparação dos seus danos, há que concretamente ponderar cada uma das situações envolvidas, o que poderá resultar na proporcionada restrição do primeiro, por não se poder afirmar, certa- mente não com o sentido total e abstrato que subjaz à decisão recorrida, que deva, em qualquer caso, preva- lecer sobre o segundo; IX – Como tal, a interpretação do artigo 78.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, com o sentido da absoluta impenhorabilidade e impossibilidade de apreensão para a massa insolvente dos créditos de indemnizações atribuídas ao insolvente em virtude de acidente de trabalho, só por si e sem mais – ou seja, desligada das ponderações descritas nos pontos antecedentes –, não é inconstitucional.

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