TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016

410 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL propriedade privada violados pela norma legal desaplicada […] os direitos dos titulares de créditos que recaem sobre a massa insolvente, à qual, nesta tese, deverá ser levado o valor da indemnização recebida pelo sinistrado insolvente”. Note-se que no texto da decisão recorrida o artigo 78.º da Lei n.º 98/2009 é entendido no sentido de a impenhorabilidade aí estabelecida quanto aos créditos provenientes do direito à reparação por acidente de trabalho ser de natureza absoluta ou total (não relativa ou parcial), isto desde o desaparecimento do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de dezembro. Com efeito, esta disposição – que o tribunal a quo considerou revogada pela edição do Novo Código de Processo Civil – indicava não serem “[…] invocáveis em processo civil as disposições constantes de legislação especial que estabeleçam a impenhorabilidade abso- luta de quaisquer rendimentos, independentemente do seu montante, em colisão com o disposto no artigo 824.º do Código de Processo Civil” [a norma que hoje corresponde ao artigo 738.º do Código de Processo Civil (CPC)]. Tenha-se em conta que a generalidade da jurisprudência, no quadro do anterior CPC, afastava o caráter absoluto da impenhorabilidade estabelecida no artigo 78.º da Lei n.º 98/2009 (e nas disposições iguais das leis de acidentes de trabalho antecessoras desta), precisamente com base na sobreposição do refe- rido artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 329-A/95 (como exemplo cfr. o acórdão da Relação de Coimbra de 24 de dezembro de 2012, no processo n.º 159-I/1993.C1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf ). Assim, afastado – melhor dito, considerado afastado – o argumento legal que, no entender do Tribunal da Relação de Guimarães, permitia encarar a impenhorabilidade das prestações por acidente trabalho como de caráter parcial, desde logo ao abrigo do artigo 838.º, n.º 1, do CPC (que refere essa impenhorabilidade tão-só a dois terços da “indemnização por acidente”), ressurge, na ótica da decisão recorrida, um caráter absoluto dessa subtração ao alcance executivo, sendo, pois, em tal quadro interpretativo que o artigo 78.º da Lei n.º 98/2009 foi recusado na decisão recorrida. É o resultado desta interpretação, que assume como absolutamente impenhoráveis ( rectius , totalmente inalcançáveis numa execução singular ou universal) os créditos provenientes do direito à reparação por aci- dentes de trabalho, é este resultado, dizíamos, que cumpre tomar como dado emergente da decisão recorrida, controlando-o do ponto de vista da conformidade constitucional na subsequente exposição. 2.1. Nas suas alegações, o Ministério Público concluiu pela não inconstitucionalidade da norma sub judicio , seguindo um percurso argumentativo que se sintetiza nos subpontos seguintes. 2.1.1. O artigo 62.º, n.º 1, da Constituição não abrange unicamente a tutela dos direitos reais, mas também a satisfação dos direitos de crédito à custa do património do devedor, como assinala a doutrina (cfr. Jorge Miranda, Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra, 2010, pp. 1246 e segs.) e a jurisprudência do Tribunal, designadamente o Acórdão n.º 374/03: “[…] 2.3.1. Assinalam J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira ( Constituição da República Portuguesa Anotada , 3.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1993, p. 331) que «o espaço semântico-constitucional do direito de proprie- dade não se limita ao universo das coisas”, não coincidindo “com o conceito civilístico tradicional, abrangendo, não apenas a propriedade de coisas (mobiliárias e imobiliárias) mas também a propriedade científica, literária ou artística (artigo 42.º, n.º 2) e outros direitos de valor patrimonial (direitos de autor, direitos de crédito, direitos sociais), etc.». Também este Tribunal Constitucional tem, por diversas vezes, adotado uma conceção ampla do direito de propriedade privada referido no artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa, designadamente a propósito dos juízos de inconstitucionalidade da norma do artigo 300.º, n.º 1, do Código de Processo Tributário, na parte em que estabelecia o regime de impenhorabilidade total dos bens anteriormente penhorados pelas repartições de finan- ças em execuções fiscais, e que culminaram com a declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=