TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016

408 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 1.2. Deste acórdão – na asserção decisória em que rejeita a aplicação da norma contida no artigo 78.º da Lei n.º 98/2009 – o Ministério Público interpôs, como acima referimos, recurso para o Tribunal Consti- tucional, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC. 1.2.1. No Tribunal Constitucional, foram as partes notificadas para alegarem. O Ministério Público motivou o recurso, formulando as seguintes conclusões: “[…] 38. O recurso tem por objeto a ‘(…) interpretação do normativo contido no artigo 78.º da lei 98/2009, de 04.09, no sentido da absoluta impenhorabilidade e/ou apreensão para a massa insolvente dos créditos indemniza- ções atribuídos ao insolvente por acidentes de trabalho (…)’. 39. O parâmetro constitucional cuja violação é imputada à mencionada interpretação normativa do disposto no artigo 78.º, da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, é ‘o princípio ínsito no artigo 62.º da Constituição da Repú- blica Portuguesa (…)’. 40. O problema jurídico-constitucional suscitado nos presentes autos corporiza-se numa colisão de direitos fundamentais constitucionalmente garantidos, a saber, entre o direito de propriedade privada dos credores da massa insolvente e o princípio da dignidade da pessoa humana, os quais, de acordo com as regras da metódica da resolução de conflitos deverão ser harmonizados, de modo a que ambos sofram a menor restrição possível. 41. O Tribunal Constitucional teve ocasião de, no seu […] Acórdão n.º 349/91, se pronunciar sobre matéria idêntica, tendo compatibilizado os princípios conflituantes por via da admissão da satisfação dos direitos dos credores, protegidos pela norma contida no n.º 1 do artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa, mas apenas na medida em que tal satisfação não pusesse em causa a sobrevivência, humanamente digna, do devedor, por aplicação do disposto no artigo 1.º, da mesma Constituição, embora sem definir o ‘ quantum ’ suscetível de assegurar o mínimo de dignidade garantido pelo texto constitucional. 42. Aditando ao decidido neste aresto, o acervo jurisprudencial do Tribunal Constitucional incidente sobre a penhorabilidade de salários, regalias sociais ou pensões, e aplicando-os ao conflito normativo sob análise, não pudemos deixar de concluir que, só por si, e em primeira linha, a deliberação legal da impenhorabilidade absoluta de créditos provenientes do direito à reparação de danos emergentes de acidente de trabalho não viola, ‘ qua tale ’, qualquer princípio ou regra constitucional, designadamente o direito de propriedade privada consagrado no n.º 1 do artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa. 43. Todavia, os direitos creditícios dos credores da massa insolvente sofrem, perante o estabelecimento da impenhorabilidade dos créditos provenientes do direito à reparação de danos emergentes de acidente de trabalho, uma contração resultante da ponderação a efetuar entre o direito de propriedade privada e o princípio da digni- dade da pessoa humana, contração que não violará a constituição desde que se contenha na medida necessária e suficiente para assegurar um mínimo de sobrevivência condigna ao sinistrado devedor. 44. Perante este entendimento, torna-se necessário apurar, em todos os casos, se, perante a eventual penhora dos referidos créditos, total ou parcial, fica, ainda assim, assegurada, ao devedor, a perceção de um rédito que lhe garanta um mínimo de sobrevivência condigna, o que implica apurar, igualmente, qual o valor da indemnização ou reparação recebida pelo sinistrado, qual a periodicidade do seu pagamento, qual o valor da quantia exequenda, qual a periodicidade dos descontos a efetuar no crédito do devedor, quais os montantes e prazos dos créditos vincendos adjudicandos, qual a dimensão do património penhorável do devedor, qual o montante dos valores regularmente percebidos destinados à sua sobrevivência e da sua família, qual a composição do seu agregado familiar, quais as despesas regulares indispensáveis ao seu sustento e, bem assim, todas as situações suscetíveis de afetarem a susten- tação de uma vida minimamente digna, por parte do devedor insolvente. 45. Há, assim, que concluir, à luz do disposto na Constituição e da densificação jurisprudencial produzida pelo Tribunal Constitucional, que, no contexto da colisão abstrata entre o direito de propriedade privada e o princípio da dignidade da pessoa humana, a norma jurídica contida no artigo 78.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de

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