TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016
407 acórdão n.º 676/16 “[…] Nos termos do artigo 46.º [do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas], a massa insolvente abrange, salvo disposição em contrário, «todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como todos os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo» (n.º 1), e «os bens isentos de penhora só serão integrados na massa insolvente se o devedor voluntariamente os apresentar e a impenhorabilidade não for absoluta» (n.º 2). Ora, nos termos do regime do NCPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, aplicável subsidiariamente ao processo de insolvência por força do artigo 17.º do CIRE, são absolutamente impenhoráveis, além dos bens isentos de penhora por disposição especial, entre outros, os direitos inalienáveis (artigo 736.º), os créditos por alimentos em montante equivalente à totalidade da pensão social do regime não contributivo (artigo 738.º, n.º 4), e são igual- mente impenhoráveis «dois terços da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia, ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado» (art. 738.º, n.º 1), impenhorabilidade que «tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento, o montante equivalente a um salário mínimo nacional». E a parcial penhorabilidade/apreensão prevista no artigo 738.º do CPC, imposta pelo respeito da dignidade humana decorrente do princípio do Estado de Direito, constante das disposições conjugadas dos artigos 1.º, 59.º, n.º 2, al. a) , e 63.º, n. os 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa, é aplicável aos créditos indemnizatórios atribuídos ao insolvente por acidente de trabalho, sabendo-se que a lei n.º 89/2009 contém o regime especial da natureza impenhorável e inalienável desses direitos de crédito, à semelhança do que sucedia com o anterior regime de acidentes de trabalho e doenças profissionais (Base XLI da lei n.º 2127, artigo 302.º do Código do Trabalho, aprovado pela lei n.º 99/2003, e artigo 35.º da Lei n.º 100/97). Essa questão já se suscitava no domínio do CPC/1961, sufragando então a jurisprudência o entendimento no sentido da aplicação à insolvência da parcial penhorabilidade prevista no artigo 824.º, recorrendo ao disposto no artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12.12, segundo o qual «não são invocáveis em processo civil as dispo- sições constantes de legislação especial que estabeleçam a impenhorabilidade absoluta de quaisquer rendimentos, independentemente do seu montante, em colisão com o disposto no artigo 824.º do Código de Processo Civil», afastando com esse fundamento o regime especial da absoluta impenhorabilidade prevista na indicada legislação atinente a acidentes de trabalho e doenças profissionais. Esse diploma legal sobreviveu apenas enquanto se manteve em vigor o CPC/1961 (revogado pelo artigo 4.º da Lei n.º 41/2013) e não havendo normativo idêntico que afaste a aplicação do regime especial da Lei n.º 98/2009 sobre a total impenhorabilidade dos créditos indemnizatórios atribuídos no âmbito de acidentes de trabalho; e considerando a própria ressalva que é prevista no artigo 736.º, tudo parece sugerir que a razão estará do lado do recorrente quando conclui que a apreensão decretada pelo tribunal a quo não tem bom abrigo legal. Contudo, a reclamada interpretação do normativo contido no referido artigo 78.º da Lei n.º 98/2009, de 04.09, no sentido da absoluta impenhorabilidade e/ou apreensão para a massa insolvente dos créditos indem- nizações atribuídos ao insolvente por acidentes de trabalho, é inconstitucional, porquanto comprime os direitos dos credores de forma desproporcionada e irrazoável, e o princípio ínsito no artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa, enquanto a decisão recorrida, decretando a apreensão de 1/3 do crédito indemnizatório atribuído ao insolvente por acidentes de trabalho concede a boa e correta atendibilidade dos interesses confli- tuantes, do devedor e dos credores, em harmonia com os indicados princípios constitucionais. […]” (itálico acrescentado).
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