TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016

402 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL razão – para o domínio de atuação da ERSE, no quadro do modelo regulatório desta, na sua dimensão san- cionatória. 2. Com efeito, ali – no Acórdão n.º 376/16 – se considerou, designadamente, que a especial natureza das entidades reguladoras independentes “[…] não pode deixar de ter algum reflexo nas clássicas estruturas normativas que tradicionalmente são chamadas a regular o exercício do poder sancionatório por parte da administração pública […]”, enumerando-se algumas soluções paralelas na legislação nacional e europeia. Ora, é neste quadro que considero atendível o interesse do legislador em conferir maior eficácia às deci- sões sancionatórias, influenciando, também por esta via, o comportamento dos agentes atuantes no mercado. A atribuição de efeito devolutivo ao recurso da decisão da entidade reguladora (condicionando o efeito sus- pensivo à prestação de caução e à existência de um prejuízo considerável) desincentiva impugnações movidas com intenção dilatória, num universo de destinatários que, tendencialmente, apresentam maior capacidade económica para absorver os custos de uma litigância à outrance. Aliás, é no contexto de um número muito limitado de agentes do sector da energia com grande capa- cidade económica que a ERSE desenvolve a sua atividade sancionatória, dentro de molduras fixadas pelo legislador precisamente tendo em conta tais especificidades. Sublinhe-se, a este propósito, que – como, aliás, a decisão final de aplicação de coima pela ERSE teve em conta – a ora recorrente realizou um volume de negócios no exercício imediatamente anterior superior a dois mil milhões de euros, mais concretamente de € 2 416 770 000 (dois mil quatrocentos e dezasseis milhões, setecentos e setenta mil euros). Vistos à luz desta circunstância, os valores das coimas não impressionam pela sua grandeza, sendo certo que quantias assina- láveis para particulares e pequenas ou médias empresas se podem, no âmbito descrito, tornar inexpressivas, retirando eficácia à sanção. De todo o modo, a condição económica do arguido é sempre – como foi, neste caso – considerada na fixação do valor da coima. 3. Não estando em causa o direito a impugnar judicialmente a decisão administrativa, a possibilidade de requerer a atribuição de efeito suspensivo quando a execução da decisão condenatória causar prejuízo considerável ao arguido, mediante prestação de caução (artigo 46.º, n.º 5, do RSSE), não deixa de permitir dar resposta aos casos em que a execução imediata da sanção constitua um obstáculo relevante ao exercício do direito de impugnação, numa ponderação que nada tem de automático. A este propósito, importa, também, sublinhar que a prestação de caução se pode realizar por modos muito diversos – v. g., através da prestação de garantias, cfr. artigo 623.º, n. os 1 e 3, do Código Civil –, que não implicam a disponibilização imediata de todo o valor da coima, o que não deixa de abrir caminho à ponderação das especiais circunstâncias de um arguido assimiláveis a relevantes constrangimentos financeiros. Aliás – insistimos –, a sua condição econó- mica já releva na fixação do valor da coima. Não parece correto, assim, afirmar que o sistema implica “[…] um ónus de efeitos equivalentes ao cumprimento da coima”. Sendo inerente a qualquer sanção que esta cause ao visado um prejuízo, o acesso aos tribunais só é afetado no caso de tal prejuízo assumir uma dimensão suscetível de inibir o recurso, hipótese em que não deixará de ser “considerável”. Ora, garantida legalmente a possibilidade de prestar de caução, nos casos em que tal se justifique, não se prefigura uma restrição assinalável do direito de acesso aos tribunais, sendo certo que, como se disse, a prestação de caução pode ocorrer por diversos modos, podendo assim, precisamente, evitar-se o dispêndio imediato da totalidade do valor da coima. 4. A Constituição não impõe, em geral, a regra do efeito suspensivo (este não resulta do artigo 32.º, n.º 10, desde logo) e a regra em causa, considerando o funcionamento do mecanismo da prestação de cau- ção – mais ainda no domínio empresarial –, não se traduz na imposição de um obstáculo desmesurado ao impugnante, pelo que não se perspetiva, por aí, uma restrição intolerável ao exercício do direito de defesa do destinatário da sanção. Ademais, no âmbito das contraordenações, o princípio da presunção de inocência

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