TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016
401 acórdão n.º 675/16 Sublinho um aspeto essencial: a prestação de caução não obriga ao pagamento total antecipado da coima, podendo aquela ser prestada por formas que minimizam o seu impacto económico, formas bem ao alcance de empresas que geram grandes proveitos, sendo precisamente a autonomia que assiste ao juiz neste domínio – ou a interpretação nesse sentido – que conduziu ao juízo de não inconstitucionalidade formulado no citado Acórdão n.º 376/16. Acresce que não foi sustentada pela recorrente a insuficiência da sua situação económica para fundar a incapacidade para pagar a coima ou prestar a caução. Por último, da forma como está redigida a fórmula decisória, é invertida a jurisprudência do Acórdão n.º 376/16. Esta inversão apresenta os inconvenientes que passo a sublinhar. Desde logo, afasta-se irremediavelmente da ideia – que eu subscreveria – de que o juízo de inconstitu- cionalidade incide apenas sobre a interpretação normativa que impediria o juiz de atender à situação econó- mica do acoimado para fixar o valor da caução, sendo esta, necessariamente, do montante da coima. E esta interpretação, se estivesse em causa, poderia e deveria ser contrariada, também porque o legislador, na norma em questão, não o afirmou expressamente – como ocorre, por exemplo, por razões bem compreensíveis, no artigo 35.º do Regime Processual Aplicável às Contraordenações Laborais e de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro: «1 – A impugnação judicial tem efeito meramente devolutivo. 2 – A impugnação judicial tem efeito suspensivo se o recorrente depositar o valor da coima e das custas do processo, no prazo referido no n.º 2 do artigo 33.º, em instituição bancária aderente, a favor da autoridade admi- nistrativa competente que proferiu a decisão de aplicação da coima. 3 – O depósito referido no número anterior pode ser substituído por garantia bancária, na modalidade “à primeira solicitação”.» Depois, porque, feita com tal amplitude, aquela inversão de jurisprudência tem um efeito potencial- mente expansivo das impugnações judiciais das decisões sancionatórias das entidades reguladoras, servindo de incentivo a estas, com efeitos perniciosos sobre o desejável respeito das regras da concorrência e ao arrepio das tendências do direito europeu. Acresce, por último, que nem mesmo será possível promover reflexão alargada sobre o problema, uma vez que, não sendo a norma julgada não inconstitucional no Acórdão n.º 376/16 totalmente idêntica à agora julgada inconstitucional, não haverá lugar a recurso para uniformização de jurisprudência. Em suma e em meu entender, o regime legal estabelecido é perfeitamente adequado a um sector de ativi- dade com poucos e economicamente poderosos operadores, no qual é difícil implementar e garantir medidas efetivas de defesa da concorrência. – João Pedro Caupers. DECLARAÇÃO DE VOTO 1. Votei vencido. Entendo, de acordo com o projeto que apresentei como relator primitivo, que a norma apreciada nos presentes autos não é inconstitucional, na linha do que se concluiu no Acórdão n.º 376/16, relativamente à norma – paralela à que aqui se apresenta – que é extraída do artigo 84.º, n. os 4 e 5, da Lei n.º 19/2012, de 8 de maio, segundo a qual a impugnação interposta de decisões da Autoridade da Concorrência que apliquem coimas tem, em regra, efeito devolutivo, apenas lhe podendo ser atribuído efeito suspensivo quando a exe- cução da decisão cause ao visado prejuízo considerável e este preste caução. Considero que naquela decisão, para cujos fundamentos remeto, genericamente, se alcançou um melhor equilíbrio dos interesses subjacentes ao regime das contraordenações, sendo a argumentação ali expendida transponível – até por maioria de
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