TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016

399 acórdão n.º 675/16 Moreira, A Desnecessidade da Exequibilidade Imediata da Coima no Novo Regime Jurídico da Concorrência à Luz do Princípio da Presunção de Inocência e do Direito de Acesso aos Tribunais , inédito, p. 42). (…) Ora, uma tal automaticidade não consente a devida ponderação circunstanciada do caso, designadamente para efeitos de avaliação da exigibilidade da prestação de uma caução de montante igual ao da coima para prevenção de eventuais perigos que se imponha acautelar e que podem encontrar mecanismo alternativo nas medidas provisórias. É, todavia, possível configurar uma solução legislativa alternativa em que a prestação de caução não esteja ligada ao referido automatismo, permitindo a ponderação pelo juiz do seu valor. Acrescente-se, aliás, que o processo contraordenacional não exclui a possibilidade de aplicação de algumas medidas cautelares que visam assegurar os fins do processo. No caso da LdC, o artigo 34.º dispõe expressamente que «sempre que as investigações realizadas indiciem que a prática que é objeto do processo está na iminência de provocar prejuízo, grave e irreparável ou de difícil reparação para a concorrência, pode a Autoridade da Concor- rência, em qualquer momento do processo, ordenar previamente a imediata suspensão da prática restritiva ou quaisquer outras medidas provisórias necessárias à imediata reposição da concorrência ou indispensáveis ao efeito útil da decisão a proferir no termo do processo » (itálico nosso). Trata-se de um outro mecanismo alternativo ao previsto na norma em julgamento. Assim se vê que existem opções normativas menos lesivas do direito de acesso ao tribunal, que respeitando a presunção de inocência do arguido, não representam perda de eficácia na prossecução do fim de interesse público prosseguido. Conclui-se, assim, que a solução normativa em apreciação viola a dimensão da necessidade inerente ao princí- pio da proporcionalidade. (…) 22. Mesmo que se tivesse concluído de outro modo no que respeita ao teste da necessidade, ainda assim a norma mereceria censura constitucional por violar o teste da justa medida. O princípio da proporcionalidade em sentido estrito veda a adoção de medidas que se apresentem como exces- sivas (desproporcionadas) para atingir os fins visados. É o caso da solução normativa sob juízo. Na verdade, ao traduzir a imposição de um ónus de efeitos equivalentes ao cumprimento da coima para evitar a antecipação daquele mesmo cumprimento a norma recusada afronta o princípio da proporcionalidade, por se apresentar como medida excessiva diante dos fins prosseguidos. Ainda que, de acordo com a jurisprudência constitucional, seja de aceitar uma maior amplitude do poder de conformação do legislador democrático quando versa sobre o direito contraordenacional por comparação com a margem de discricionariedade deixada ao legislador penal, designadamente em sede de definição das garantias de defesa do arguido (cfr. por todos Acórdão n.º 297/16, ponto 14), a norma em análise, onerando excessivamente o direito de acesso a uma tutela judicial efetiva, praticamente esvazia de sentido a presunção de inocência atribuída ao arguido, o que constitui compressão excessiva das garantias de defesa previstas no artigo 32.º, n. os 2 e 10, em articulação co o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição. E esta conclusão não é infirmada pela circunstância de a caução poder vir a ser devolvida por efeito da decisão final, pois que a desproporção na medida ali prevista não sofre qualquer alteração na sua essencialidade por força desta possível reparação.» 8. Os fundamentos expostos são transponíveis para o julgamento da norma sob juízo. Para além de se registar plena coincidência nos conteúdos normativos em análise, a fundamentação que sustentou a decisão daquele acórdão não se ancora em especificidades das atribuições reservadas à Autoridade da Concorrência. Também na modelação do regime sancionatório do setor energético previsto na RSSE, o legislador evidencia a preocupação de conferir maior eficácia aos poderes sancionatórios da entidade reguladora, assu- mindo um propósito desincentivador dos recursos judiciais, a pretexto de procurar minimizar os recur- sos infundados e dilatórios. Foi, de resto, com o mesmo propósito que no regime sancionatório do setor

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=