TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016
398 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL «as regras sobre a aplicação de procedimentos de concorrência das regras de procedimentos penais, no sentido de assegurar a aplicação efetiva da Lei da concorrência» e «aumentar a equidade e a eficiência em termos das regras vigentes e da adequação dos procedimentos»), a solução normativa em análise não oferece nenhum problema de desadequação. Não se duvida que a sujeição da suspensão da execução da coima visada pela impugnação ao pagamento de um montante equivalente demoverá os propósitos infundados e meramente dilatórios, contribuindo, desde modo, para o desincentivo do recurso à impugnação judicial infundada da decisão proferida pela AdC. Se o efeito útil visado pela impugnação é não pagar, ou adiar o pagamento, da coima, impor o respetivo paga- mento integral para suspender a execução da decisão, neutraliza o objetivo pretendido. 20. Diferente se apresenta, porém, a resposta a dar à pergunta sobre se a norma objeto de fiscalização se apre- senta como necessária ao prosseguimento dos objetivos delineados para satisfazer o interesse público. De acordo com a dimensão da necessidade/exigibilidade do princípio da proporcionalidade, as medidas res- tritivas de direitos fundamentais têm de ser indispensáveis para alcançar os fins em vista, não sendo configuráveis outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo fim. Ora, no caso, existem outras medidas que podem servir eficazmente de desincentivo ao recurso à impugnação judicial manifestamente infundada: desde logo, a consagração da reformatio in pejus (artigo 88.º, n.º 1, da LdC). Como salientado por José Lobo Moutinho, é «patente que essa admissão condiciona o exercício do direito ao recurso ou à impugnação, levando o arguido administrativamente condenado a ter medo de se prejudicar com o recurso ou impugnação e criando-lhe, assim, uma forte inibição que o levará a evitar os recursos» (“A reformatio in pejus no processo de contraordenações”, in Estudos dedicados ao Professor Doutor Nuno José Espinosa Gomes da Silva , vol. 1, Universidade Católica Editora, pp. 421-452, p. 437). Foi precisamente por se considerar que se perdia uma forte razão para desmotivar a instauração de recursos infundados que a regra da proibição da reformatio in pejus , introduzida no Regime Geral das Contraordenações pela reforma de 1995, sofreu abundantes críticas da doutrina da especialidade (cfr. Germano Marques da Silva, Direito Penal Português , Parte Geral, vol I, 1997, p. 141). Nas palavras de Paulo Pinto de Albuquerque, «A proi- bição da reformatio in pejus é inconveniente, injustificável e tem efeitos perversos, tais como aumenta o número de recursos independentemente da gravidade das sanções e torna os recursos economicamente compensadores, sempre que estejam em causa sanções muito elevadas, por via do deferimento no tempo do respetivo pagamento» ( Comentário do Regime Geral das Contraordenações à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem , UCP, 2011, pp. 294-295; cfr. também, “A Reforma do Direito das Contraordenações”, in Estu- dos de Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda , Vol IV, p. 750). Igualmente críticos da introdução da reformatio in pejus no Regime Geral das Contraordenações, vide Carlos Adérito Teixeira, “Direito de mera ordenação social: o ambiente como espaço da sua afirmação”, in Revista do Ministério Público , ano 22, n. 85, 2001, p. 89; Taipa de Carvalho, Direito Penal, Parte Geral, Questões fundamentais , UCP, 2003, p. 174, Leones Dantas, “O Ministério Público no processo de contraordenações”, in Revista de Questões Laborais , ano VIII (2001), n.º 17, p. 38. Existem, portanto, alternativas menos gravosas para o direito do arguido de acesso ao tribunal que prosseguem a mesma solução dissuasiva do abuso dos recursos. Foi inclusivamente equacionado nos trabalhos preparatórios do novo Regime Jurídico da Concorrência conjugar o efeito suspensivo do recurso com a previsão da correção monetária do montante da coima fixado a final (Miguel Gorjão Henriques, Lei da Concorrência, Comentário Conimbricence, Almeida 2013, p. 818). 21. Por outro lado, o condicionamento do efeito suspensivo do recurso à efetiva prestação de caução no prazo fixado pelo tribunal – cfr. artigo 84.º, n.º 3 – inculca uma ideia de automatismo que, pode não deixar espaço para um juízo de dispensa ou adequação (designadamente do montante e modo de prestação) atentos os circunstancia- lismos do caso concreto. Como já foi afirmado “(…) a redação da lei não parece deixar margem de manobra para que o juiz dispense a prestação de caução, uma vez que exige que a mesma seja efetiva” (Teresa de Lima Mayer Alves
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