TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016

394 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 11. O princípio da presunção de inocência pertence àquela classe de princípios materiais do processo penal que, enquanto constitutivos do Estado de direito democrático, são extensíveis ao direito sancionatório público. Sendo expressão do direito individual das garantias de defesa e de audiência, este princípio encontra, pois, aplica- ção também no processo contraordenacional, como decorre dos n.os 2 e 10 do artigo 32.º da Constituição. Nestes termos, no processo contraordenacional, como em qualquer outro processo sancionatório, o arguido presume-se inocente até se tornar definitiva a decisão sancionatória contra si proferida, o que, neste caso, se con- substancia no momento em que a decisão administrativa se torne inatacável ou, no caso de impugnação, até ao trânsito em julgado da sentença judicial que dela conhecer. O estatuto processual do arguido no processo contraordenacional, enformado pela garantia da presunção de inocência, permite, por exemplo – e para o que agora releva –, que o tratamento do arguido ao longo de todo o processo seja configurado sem perder de vista a possibilidade de verificação da sua inocência, não sendo de admitir, designadamente, que a autoridade administrativa considere o arguido culpado antes de formalizar o juízo sancio- natório de forma necessariamente fundamentada. Assente este ponto, vejamos estão se a norma objeto do presente recurso afronta o princípio da presunção de inocência de forma não consentida pela Constituição. 12. A norma ora em juízo decorre da interpretação do artigo 84.º da LdC, inserindo-se no capítulo dedicado aos «recursos judiciais» (capítulo IX), especificamente, na secção que regula os «processos contraordenacionais» (secção I). É, portanto, no domínio da disciplina da impugnação junto de tribunal (o designado «recurso judicial») da decisão proferida pela autoridade administrativa no processo contraordenacional que os n. os 4 e 5 daquele artigo da LdC estabelecem as regras aplicáveis à produção de efeitos da decisão sancionatória após a sua impugnação. Nesses termos, é consagrada como regra geral o efeito meramente devolutivo do recurso de impugnação, regulando-se também a possibilidade de atribuição de efeito suspensivo ao recurso. O que a referida norma estabelece é, pois, estritamente, o condicionamento do efeito suspensivo do recurso às decisões de aplicação de coimas cuja execução gere prejuízo considerável ao visado e à prestação de uma caução (enquanto garantia do pagamento da coima), não a disciplina da execução da coima. Ora, sendo assim, pelo regime delineado não se nega – antes é reconhecido – o direito do arguido impugnar a decisão sancionatória proferida pela autoridade administrativa e, com o exercício desse direito, continuar a benefi- ciar do estatuto de inocente. Simplesmente, a suspensão da decisão sancionatória fica dependente do cumprimento de uma garantia imposta pelo legislador. É certo que o efeito meramente devolutivo recurso não impede a instauração de execução da coima fixada pela autoridade administrativa e implica, consequentemente, a possibilidade de penhora do seu património, consoli- dando no plano factual, e apesar da impugnação contenciosa, o eventual prejuízo do visado. A procedência do recurso, não evitará o prejuízo do recorrente nem assegurará a sua plena reparação. O problema de constitucionalidade colocado pela norma desaplicada pelo tribunal a quo não reside, todavia, na atribuição legal, per se , do efeito meramente devolutivo à impugnação judicial (o recurso) da decisão administra- tiva sancionatória. Estamos, com efeito, diante de normas que se limitam a estabelecer a disciplina, concretamente o efeito, do recurso da decisão sancionatória, em que a prestação da caução emerge como um ónus para o recor- rente que pretenda obter o efeito suspensivo, e não a definição do regime de execução de uma medida antecipató- ria da sanção administrativamente imposta. A execução da coima é consequência prática do regime que impõe a prestação de caução, não constituindo, porém, o seu conteúdo normativo. Neste domínio, o arguido continua a presumir-se inocente até se tornar definitiva a decisão judicial relativa à impugnação da sanção contra si proferida, pelo menos prima facie . De facto, incidindo a questão de constitucio- nalidade sobre a disciplina do efeito do recurso, mais concretamente sobre a imposição de um ónus (imposição de prestação de caução) como condição da atribuição de efeito suspensivo ao recurso de impugnação da decisão sancionatória, é sobre esse ónus que deve incidir a avaliação de conformidade constitucional, nomeadamente da

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