TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016

391 acórdão n.º 675/16 j) De outro passo, o regime consagrado no artigo 46.º, n. os 4 e 5, do RSSE viola, também, o princípio da presunção de inocência, previsto no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, reconhe- cidamente aplicável ao processo contraordenacional. k) Com efeito, quando o verdadeiro julgador vai analisar a causa, parte, logo, de uma premissa que altera por completo as regras do jogo e a sua perspetiva sobre o processo: o visado já está sancionado; a decisão que vier a ser proferida não se apresenta, já, como algo passível de causar verdadeiro dano, mas sim como algo que, quando muito, confirmará ou atenuará o dano. l) O presumível inocente apresenta-se perante o Tribunal já sancionado, tendo, verdadeiramente, que conse- guir inverter essa posição. Ao invés, quando, a final, o Tribunal se decida pela absolvição do visado, o que, na prática, está a fazer é a condenar o Estado a repor o visado na situação em que este se encontrava antes da prolação da decisão administrativa, quando ainda era presumivelmente inocente. m) Esta situação é o expoente máximo da violação da presunção de inocência, pois que consagra consequên- cias jurídicas sancionatórias em relação a quem não tenha sido condenado por sentença definitiva, i.e., por sentença transitada em julgado. n) Sendo certo que o n.º 5 do artigo 46.º do RSSE, ainda que derrogue aquela regra geral, produz efeito mate- rialmente equivalente, na medida em que obriga o visado – para poder beneficiar da atribuição de efeito suspensivo resultante da apresentação de recurso de impugnação judicial – a garantir antecipadamente o valor integral da coima aplicada pela ERSE, incorrendo no encargo financeiro correspondente. o) É, pois, evidente que as disposições conjugadas dos artigos 46.º, n. os 4 e 5, do RSSE violam o princípio da presunção de inocência, limitando-o em termos tais que o aniquilam, não colhendo, de forma alguma, a argumentação de que as sanções contraordenacionais, independentemente do seu teor, não interferem na esfera pessoal do arguido com a mesma intensidade e expressividade das sanções penais. p) Finalmente, e não menos importante, o regime imposto pelo artigo 46.º, n. os 4 e 5, do RSSE viola o prin- cípio da proporcionalidade, na vertente da necessidade (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa). q) Com efeito, o regime em causa não se revela necessário (não é exigível), pois que os fins visados pela lei podem ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias dos visados por processo contraordenacional. r) Para atingir os objetivos indicados pelo Ministério Público como fundamento da regra ínsita no artigo 46.º, n. os 4 e 5, do RSSE, seria possível, a título de mero exemplo: • Dotar os Tribunais de mais meios por forma a garantir uma maior celeridade na análise dos recursos judiciais em sede de processo de contraordenação (não obstante o que muito já têm feito estes Tribu- nais); • Prever medidas de garantia patrimonial para pagamento das sanções aplicadas que tenham em conside- ração a situação concreta do visado pelo processo, como, seguindo Tribunal a quo, a figura da caução económica prevista no artigo 227.º do Código de Processo Penal; e • Consagrar um regime de custas processuais que, tendo em consideração o caso concreto, permita san- cionar os que fazem uso abusivo do direito ao recurso de impugnação judicial (única preocupação que, sobre esta matéria, foi vertida na Exposição de Motivos n.º 88/XII/1.ª, que deu origem ao RSSE). s) O legislador não pode, sem mais, escolhendo o caminho mais fácil, passar por cima de princípios básicos que, desde sempre, sustentaram o Estado de Direito. Ao legislar como fez, acabou por consagrar uma solução (artigo 46.º, n. os 4 e 5, do RSSE) que viola, também, o princípio da proporcionalidade, na vertente da necessidade, tal como o mesmo vem previsto no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Por- tuguesa. t) Perante o exposto, andou bem o Tribunal a quo ao declarar a inconstitucionalidade do artigo 46.º, n. os 4 e 5, do RSSE, decisão essa que, cremos, o Tribunal Constitucional não deixará de subscrever. […]».

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