TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016

383 acórdão n.º 674/16 Em verdade, há sempre possibilidade de a decisão administrativa ser apreciada pelos tribunais comuns, não sendo o recurso de mera legalidade. Devolve-se aos tribunais comuns a plena apreciação do pleito, que poderão sempre ordenar a realização de uma audiência de julgamento. Por isso mesmo, as medidas constantes do n.º 5 do artigo 15.º citado, quando referidas ao arguido com insuficiência de meios económicos, infringem o n.º 2 do artigo 20.º da Constituição, na medida em que criam restrições à garantia de acesso aos tribunais e de tal modo que, no caso, praticamente esvaziam de conteúdo útil a garantia da via judiciária. Ora, como tal direito fundamental se integra entre os previstos no artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa, aquelas restrições não são consentidas pelo n.º 2 da mesma disposição”. É certo que a norma ora em apreço não veda o direito ao recurso, apenas condiciona o efeito suspensivo do recurso ao prévio pagamento de uma caução substitutiva da coima. De todo o modo, ao não ressalvar do seu âmbito o recorrente carenciado de meios económicos para prestar a caução exigida, a norma em análise cria um obstáculo excessivo à garantia do acesso à jurisdição plena, neutralizando uma das suas dimensões essenciais ao não permitir aos arguidos economicamente carenciados evitar a produção de efeitos de uma decisão administrativa de natureza sancionatória. 25. A perceção do excesso agudiza-se com a consciência da incongruência que se manifesta numa solu- ção em que o arguido que demonstre sofrer prejuízo considerável com a imediata execução da coima, bene- ficia da suspensão do efeito do recurso, desde que tenha capacidade económica para a pagar. Todavia, o arguido que viva uma situação de insuficiência económica, nunca poderá beneficiará desse efeito. Neste ponto particular a solução normativa adotada na LdC afasta-se mesmo do próprio regime em que se inspirou. As decisões da Comissão em que tenha sido fixada uma coima ou uma sanção pecuniária compulsória neste âmbito podem ser impugnadas junto do Tribunal de Justiça da UE (TJUE), que conhece destes recursos com plena jurisdição [artigo 31.º do Regulamento (CE) n.º 1/2003, do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência previstas no Tratado]. No contexto deste processo, apesar de o recurso das decisões da Comissão, incluídas as de aplicação de coimas, se caracterizar pela ausência do efeito suspensivo, o TJUE pode, contudo, atribuí-lo, «se considerar que as circunstâncias o exigem», nos termos do artigo 278.º do Tratado sobre o Funcionamento da UE e dos artigos 160.º e seguintes do Regulamento de processo do Tribunal de Justiça e 156.º e seguintes do Regulamento de processo do Tribunal Geral. No âmbito, o contencioso da União Europeia contempla a possibilidade de suspensão da eficácia da decisão de aplicação de coima «ser sujeita à constituição, pelo requerente, de uma caução cujo montante e modalidades são fixados tendo em conta as circunstâncias» (cfr. artigos 162.º, n.º 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça e 158.º, n.º 2, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral). Permite-se, assim, a dispensa de prestação de caução nos casos de a parte se encontrar economicamente impossibilitada de a prestar. Resta concluir em conformidade, julgando inconstitucional, por violação do princípio da tutela juris- dicional efetiva consagrado no artigo 20.º da Constituição, e concretizado, no âmbito da justiça administra- tiva, no artigo 268.º, n.º 4, da Constituição, entendido em articulação com o princípio da proporcionalidade implicado no artigo 18.º, n.º 2, e o princípio da presunção de inocência em processo contraordenacional decorrente do artigo 32.º, n. os 2 e 10, da Constituição, a norma sub judicio . III – Decisão Termos em que se decide: a) Julgar inconstitucional a norma que estabelece que a impugnação judicial de decisões da Autori- dade da Concorrência que apliquem coima tem, em regra, efeito devolutivo, apenas lhe podendo ser atribuído efeito suspensivo quando a execução da decisão cause ao visado prejuízo considerável e este preste caução, em sua substituição, no prazo fixado pelo tribunal, independentemente da

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