TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016

379 acórdão n.º 674/16 No âmbito de um procedimento sancionatório, mais do que o direito ao recurso, estritamente com- preendido, firma-se um efetivo direito de ação por parte do arguido contra um ato da administração pública. Ora, o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, consagrado constitucionalmente, pressupõe a garantia da via judiciária, que implica que sejam outorgados ao interessado os meios ou instrumentos pro- cessuais adequados para fazer valer em juízo, de forma efetiva, o seu direito. Uma das dimensões em que se concretiza a garantia da via judiciária é justamente o direito de acesso, sem constrangimentos substanciais, ao órgão jurisdicional para ver dirimido um litígio. A norma objeto do processo estabelece que só pode ser atribuído efeito suspensivo à impugnação de deci- sões que apliquem coima quando a sua execução cause “prejuízo considerável” ao visado e este preste caução. O ónus imposto ao recorrente pela norma sindicada reporta-se tão-somente ao efeito do recurso. No entanto, por sua causa, o recurso à via judicial para impugnar a decisão administrativa só consegue impedir a imediata execução da sanção administrativa visada pela impugnação, provado que seja o “prejuízo considerável” que a sua execução causa, mediante a prestação de uma caução que substitua o pagamento da coima. Desta forma, a norma condiciona o efeito útil imediato da impugnação a um ónus que, afinal, se concretiza no cumprimento de uma prestação que equivale ao cumprimento da coima. Daqui resulta que, de facto, antes de contestar judicialmente a sanção aplicada, o sancionado é, na prática, obrigado a cumpri-la. Note-se o elevado nível de oneração imposto: não só é necessário demonstrar que a execução da decisão sancionatória causa “prejuízo considerável” como, para além disso, é necessário prestar uma caução em sua substituição – tendo como con- sequência a concretização do referido prejuízo. A norma sindicada cria, na verdade, um obstáculo ao efetivo direito de tutela contra atos lesivos da administração pública que, por incidir sobre os efeitos da impugnação de uma medida sancionatória, se reflete negativamente na presunção de inocência garantida ao arguido. Um tal regime implica, portanto, uma restrição do acesso à via judicial. Na verdade, a garantia de uma via judiciária de tutela efetiva implica não apenas que a impugnação judicial garanta ao arguido a possibilidade de ver reapreciados todos os fundamentos da decisão impugnada, mas também a possibilidade de evitar os seus efeitos 16. Resta, então, verificar se esta restrição do artigo 20.º da Constituição é constitucionalmente admis- sível. O que implica verificar se as condições normativamente estabelecidas para a atribuição do efeito sus- pensivo ao recurso, designadamente a demonstração do «prejuízo considerável» e a prestação de caução subs- titutiva da coima que se pretende impugnar, importam a criação de dificuldades excessivas e materialmente injustificadas no direito de acesso aos tribunais e, por conseguinte, no acesso ao direito. Indagação que nos transporta de imediato para as dimensões do princípio da proporcionalidade. iii) Da aplicação do princípio da proporcionalidade 17. O princípio da proporcionalidade ocupa lugar central na avaliação dos requisitos materiais exigidos nas restrições de direitos fundamentais as quais, de acordo com o n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, devem «limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos». São comumente identificados os seguintes três subprincípios em que se desdobra: idoneidade (ou adequação), necessidade (ou indispensabilidade) e justa medida (ou proporcionalidade em sentido estrito). 18. Para a análise de cada uma destas dimensões do princípio, importa começar por identificar o inte- resse público prosseguido pela norma sindicada. O novo regime da concorrência (a LdC), instituído pela Lei n.º 19/2012, de 8 de maio, concretiza a incumbência prioritária do Estado prevista no artigo 81.º, alínea f ) , da Constituição e os objetivos de política comercial constantes do artigo 99.º, alínea a) , da Constituição. De acordo com a Exposição de Motivos da Proposta de Lei 45/XII, que esteve na base da Lei n.º 19/2012, o impulso para a alteração surge no segui- mento de compromisso assumido pelo Governo Português no âmbito do Programa de Assistência Económica

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