TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016
378 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Como tem sido sublinhado na jurisprudência do Tribunal Constitucional, em processo de contraorde- nação, para além de gozar do direito de defesa constitucionalmente previsto no artigo 32.º, n.º 10, da Cons- tituição, o arguido goza também do direito de acesso à tutela jurisdicional, com o consequente direito de impugnar judicialmente a decisão administrativa, nos termos previstos no artigo 59.º e ss. do Regime Geral das Contraordenações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro (cfr., entre outros, os Acórdãos n. os 659/06, ponto 2.2., 45/08, ponto 2.2., 135/09, pontos 7. e 8.4., 299/13, ponto 5., e 373/15, ponto 2.). Com efeito, como o processo contraordenacional corre diante de entidade administrativa – i. e. fora da hierarquia jurisdicional –, o direito ao recurso face a uma decisão sancionatória nele proferida adquire uma relevância só compreendida dentro da tutela jurisdicional efetiva, e mais especificamente na garantia da impugnação dos atos administrativos sancionatórios perante os tribunais, consagrada no artigo 268.º, n.º 4, da Constituição. 14. Existe uma ampla margem de que o legislador dispõe na modelação do regime de acesso à jurisdi- ção, designadamente no domínio da impugnação contenciosa de atos administrativos sancionatórios (cfr. os Acórdãos n.º 595/12, ponto 6, e n.º 373/15, ponto 2 da Fundamentação). Como o Tribunal tem reiterada- mente sublinhado «(…) o legislador dispõe de ampla margem de conformação no que respeita à modelação do regime de acesso à via jurisdicional, podendo disciplinar o modo como se processa esse acesso, nomea- damente em via de recurso-impugnação, posto que não crie obstáculos ou condicionamentos substanciais» (Acórdão n.º 373/15, ponto 2 da Fundamentação). A opção do legislador no que respeita à forma de impugnação das decisões de caráter sancionatório aplicadas em processo de contraordenação por entidades administrativas foi no sentido de consagrar uma via processual de plena jurisdição. Como já foi referido, apesar da designação legal, não se trata de um recurso propriamente dito, antes de um processo judicial de impugnação de decisões administrativas sancionatórias. Conforme delineado no Regime Geral das Contraordenações, o processo contraordenacional tem uma fase administrativa seguindo-se, no caso de impugnação da decisão nela aplicada, uma fase jurisdicional em que o arguido dispõe da possibilidade de sindicar a legalidade da decisão. Esta impugnação dá lugar a um processo de natureza jurisdicional, em que o tribunal não se limita a apreciar a decisão, mas todo o processado nos autos, valorando em conjunto toda a prova produzida, quer a já produzida na fase administrativa, quer a rea- lizada na fase jurisdicional. Ao apreciar a impugnação da decisão administrativa o tribunal não está vinculado à qualificação por esta efetuada quer no que respeita aos factos (com base nas provas que são apresentadas no âmbito do recurso), quer no que respeita à matéria de direito (qualificação jurídica dos factos e sanções aplicadas). Desta forma, a impugnação, «se respeitados os requisitos de forma e tempo [elimina] o caráter definitivo ( hoc sensu , materialmente definidor da situação do particular) da decisão administrativa, porque a apresentação dos autos ao juiz vale como acusação, assim se convertendo em judicial o poder de aplicação da sanção” (Acórdão n.º 595/12, ponto 4). A impugnação da decisão administrativa nos moldes enunciados configura, assim, o meio de acesso à jurisdição. 15. Como já acima ficou evidenciado, a norma em apreciação, resultante do artigo 84.º, n. os 4 e 5, da LdC, não nega o direito do arguido impugnar judicialmente a decisão administrativa contra si proferida. Limita-se a estabelecer como regra o efeito meramente devolutivo ao recurso, impondo determinadas condi- ções para a atribuição do efeito suspensivo. O princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva não impõe, porém, a regra do efeito suspen- sivo ao recurso, nem mesmo quando esteja em causa a impugnação contenciosa de atos administrativos (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , Volume I, Coimbra Edi- tora, 4.ª edição revista, pp. 417-418). A solução normativa encontrada insere-se, assim, na referida margem de que o legislador dispõe neste âmbito. Isto não significa que não haja exigências constitucionais a respeitar.
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