TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016

377 acórdão n.º 674/16 de impugnação, regulando-se também a possibilidade de atribuição de efeito suspensivo ao recurso. O que a referida norma estabelece é, pois, estritamente, o condicionamento do efeito suspensivo do recurso às deci- sões de aplicação de coimas cuja execução gere prejuízo considerável ao visado e à prestação de uma caução (enquanto garantia do pagamento da coima), não a disciplina da execução da coima. Ora, sendo assim, pelo regime delineado não se nega – antes é reconhecido – o direito do arguido impugnar a decisão sancionatória proferida pela autoridade administrativa e, com o exercício desse direito, continuar a beneficiar do estatuto de inocente. Simplesmente, a suspensão da decisão sancionatória fica dependente do cumprimento de uma garantia imposta pelo legislador. É certo que o efeito meramente devolutivo do recurso não impede a instauração de execução da coima fixada pela autoridade administrativa e implica, consequentemente, a possibilidade de penhora do seu patri- mónio, consolidando no plano factual, e apesar da impugnação contenciosa, o eventual prejuízo do visado. A procedência do recurso, não evitará o prejuízo do recorrente nem assegurará a sua plena reparação. O problema de constitucionalidade colocado pela norma desaplicada pelo tribunal a quo não reside, toda- via, na atribuição legal, per se , do efeito meramente devolutivo à impugnação judicial (o recurso) da decisão administrativa sancionatória. Estamos, com efeito, diante de normas que se limitam a estabelecer a disciplina, concretamente o efeito, do recurso da decisão sancionatória, em que a prestação da caução emerge como um ónus para o recorrente que pretenda obter o efeito suspensivo, e não a definição do regime de execução de uma medida antecipatória da sanção administrativamente imposta. A execução da coima é consequência prática do regime que impõe a prestação de caução, não constituindo, porém, o seu conteúdo normativo. Neste domínio, o arguido continua a presumir-se inocente até se tornar definitiva a decisão judicial relativa à impugnação da sanção contra si proferida, pelo menos prima facie . De facto, incidindo a questão de constitucionalidade sobre a disciplina do efeito do recurso, mais concretamente sobre a imposição de um ónus (imposição de prestação de caução) como condição da atribuição de efeito suspensivo ao recurso de impugnação da decisão sancionatória, é sobre esse ónus que deve incidir a avaliação de conformidade constitucional, nomeadamente da sua adequação, o que deverá ser feito à luz das exigências do princípio da proporcionalidade, tendo em conta o interesse público que presidiu à adoção de tal solução. E sendo assim, é no âmbito do direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva que a ques- tão de constitucionalidade colocada neste recurso deverá ser analisada. Nesse contexto, no entanto, o con- teúdo normativo do artigo 32.º, n. os 2 e 10, da Constituição será tido em conta, contribuindo, nos termos adiante assinalados, para o sentido da conclusão a que se chegar. Há, pois, que averiguar se a norma em juízo ultrapassa o justo equilíbrio entre as exigências do interesse público que visa assegurar e o prejuízo que causa no direito a um efetivo acesso aos tribunais.  ii) Da violação do direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva 13. O princípio do Estado de direito democrático, basilar para a República Portuguesa, é acolhido logo no artigo 2.º da Constituição. Uma das suas concretizações consiste precisamente no direito de acesso aos tribunais, individualizado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição. Este direito inclui, entre outras dimensões normativas, desde logo, o “direito de ação”, isto é, o direito subjetivo de levar ao conhecimento de um órgão jurisdicional determinada pretensão, dando origem à abertura de um processo (o “direito ao processo”), que deve ser equitativo e célere, com o consequente dever do mesmo órgão sobre ela se pronunciar mediante decisão fundamentada (cfr. Acórdão n.º 473/94, ponto II. 2.). Este direito geral à tutela jurisdicional efetiva é concretizado, no âmbito da justiça administrativa, atra- vés da consagração, no artigo 268.º da Constituição, de um conjunto de garantias dos particulares em face da Administração, onde se inclui «o direito de impugnar quaisquer atos administrativos que os lesem» (cfr. n.º 4 do artigo 268.º da Constituição).

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=