TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016
374 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL orgânico-funcional da AdC e com o sistema de controlo judicial a que está globalmente sujeita a sua atuação. Refere esse Acórdão que: «A lei define a Autoridade da Concorrência como uma «pessoa coletiva de direito público, com a natureza de entidade administrativa independente, dotada de autonomia administrativa e financeira, de autonomia de gestão, de independência orgânica, funcional e técnica, e de património próprio», que «tem por missão assegurar a aplicação das regras de promoção e defesa da concorrência nos setores privado, público, cooperativo e social, no respeito pelo princípio da economia de mercado e de livre concorrência, tendo em vista o funcionamento eficiente dos mercados, a afetação ótima dos recursos e os interesses dos consumidores, nos termos previstos na lei e nos [seus] estatutos» (artigo 1.º, n. os 1 e 2, dos Estatutos da Autoridade da Concorrência, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 125/2014, de 18 de agosto). Para o desempenho das suas atribuições, a Autoridade da Concorrência dispõe de «poderes sancionatórios, de supervisão e de regulamentação», competindo-lhe especificamente «[i]dentificar e investigar os comportamentos suscetíveis de infringir a legislação de concorrência nacional e da União Europeia, nomeadamente em matéria de práticas restritivas da concorrência e de controlo de operações de concentração de empresas, proceder à instrução e decidir sobre os respetivos processos, aplicando, se for caso disso, as sanções e demais medidas previstas na lei; [c] obrar as coimas estabelecidas na lei; e [a]dotar medidas cautelares, nos termos do regime jurídico da concorrência e de outras disposições legais aplicáveis» (artigo 6.º, n. os 1 e 2, dos Estatutos). Por outro lado, a lei expressamente sujeita os representantes legais das empresas e outras entidades destinatárias da sua atividade à «obrigação de colaboração», que se traduz no dever de prestação de informações e entrega de documentos à Autoridade da Concorrência, sempre que esta o solicitar (artigos 15.º da Lei da Concorrência), tipi- ficando como contraordenação punível com coima «[a] não prestação ou a prestação de informações falsas, inexatas ou incompletas, em resposta a pedido da Autoridade da Concorrência, no uso dos seus poderes sancionatórios» [artigo 68.º, alínea h) , da Lei da Concorrência]. Avaliando, em contexto, a natureza e a origem das autoridades reguladoras independentes, a doutrina tem salientado a sua ligação aos fenómenos da liberalização do mercado em função de duas principais ordens de consi- derações. Por um lado, reconhece-se que a regulação tem uma lógica específica, que deve ser separada tanto quanto possível da lógica política, em especial a dos ciclos eleitorais, tornando-se necessário estabelecer adequada distância entre a política e o mercado, de modo a conferir-lhe a estabilidade, previsibilidade, imparcialidade e objetividade. Por outro lado, a abertura à concorrência de setores de atividade que antes se encontravam sujeitos à influência estatal trouxe consigo a necessidade de separar a regulação do funcionamento do mercado e a intervenção das entidades públicas enquanto sujeitos económicos. É a atribuição de independência orgânica, traduzida na impossibilidade de destituição discricionária pelo Governo dos titulares dos órgãos diretivos das entidades reguladoras, e de independência funcional, que subtrai essas entidades ao poder de superintendência e tutela governamentais, que permite resolver essa dualidade do papel do Estado em relação a setores do mercado liberalizados (cfr. Fernanda Maçãs, «O controlo jurisdicional das autoridades administrativas independentes», in Cadernos de Justiça Administrativa , n.º 58, julho/agosto 2006, pp. 22-23). É precisamente com base em tais características que se tem entendido que o surgimento das entidades regu- ladoras escapa aos cânones tradicionais de classificação da estrutura e funções do Estado, havendo quem lhes reconheça uma natureza «quase-jurisdicional» ou mesmo a expressão de uma espécie de «quarto poder», o que não pode deixar de ter algum reflexo nas clássicas estruturas normativas que tradicionalmente são chamadas a regular o exercício do poder sancionatório por parte da administração pública (cfr. Fernanda Maçãs, ob. cit. , e Alexandre de Albuquerque/Pedro de Albuquerque, «O controlo contencioso da atividade das entidades de regulação econó- mica», em Regulação e Concorrência , Almedina, p. 268). No que respeita em particular à Autoridade da Concorrência, cumpre, finalmente, destacar o facto de ela inte- grar a Rede Europeia da Concorrência, competindo-lhe, neste âmbito, em cooperação com a Comissão Europeia
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