TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016
372 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL contraordenacionais, como, de resto, já foi reconhecido pelo Tribunal Constitucional e é mencionado inclusiva- mente pelo Ministério Público nas suas alegações (Cfr. Acórdãos do TC n.º 103/87 e 301/97). 21. Note-se, aliás, que o respeito pelo princípio da presunção de inocência do arguido encontra-se também refletido na garantia do direito de defesa do arguido, tal como previsto no n.º 10 do artigo 32.º da Constituição, especialmente a propósito dos direitos dos arguidos em processos contraordenacionais. 22. O que volta a estar aqui em causa é a aplicação do princípio da proporcionalidade como critério deter- minante para a aceitação de restrições a direitos fundamentais, já que o princípio da presunção da inocência dos arguidos implica o direito de cada arguido a ser presumido inocente até transito em julgado de decisão judicial (e não meramente administrativa) condenatória. 23. Ao impor-se o pagamento ou a garantia antecipada do pagamento da coima resultante da condenação meramente administrativa está a restringir-se esse direito, já que esse pagamento antecipado acentua uma perceção de culpabilidade do arguido através da imposição do cumprimento efetivo dessa mesma pena, o que inculca na comunidade em geral a imagem da culpa em vez da inocência, tudo ao arrepio da Constituição. 24. Conclui-se, assim, que também por este prisma, as normas contidas nos números 4 e 5 do artigo 84.º da Lei da Concorrência, na medida em que impõem o pagamento ou a garantia do pagamento (através de caução) do valor da coima, sob pena de execução forçada da mesma, em momento prédio ao da apreciação judicial da legali- dade da atuação do arguido, são inconstitucionais, por implicarem uma restrição ao direito à presunção de inocên- cia dos arguidos, aplicável mesmo em processos contraordenacionais, sem que essa restrição respeite os requisitos (restritivos) do artigo 18.º da Constituição, nomeadamente por não ser essa restrição necessária para a salvaguarda de outro direito ou interesse constitucionalmente protegido, que nem sequer é identificado.» Cumpre apreciar e decidir. II – Fundamentação a) Delimitação do objeto do recurso 5. O presente recurso vem interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, segundo a qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos tribunais que recusem a apli- cação de qualquer norma, com fundamento em inconstitucionalidade. No caso dos autos, o tribunal a quo recusou a aplicação da norma constante do artigo 84.º, n. os 4 e 5, da Lei n.º 19/2012, de 8 de maio, que aprovou o novo regime jurídico da concorrência, «por violação do direito à tutela jurisdicional efetiva, da presunção de inocência e do princípio da proporcionalidade, consagrados nos artigos 20.º/5, 32.º/2 e 18.º/2, todos da CRP, respetivamente». É o seguinte o teor do artigo 84.º da LdC: «Artigo 84.º Recurso, tribunal competente e efeitos do recurso 1 – Cabe recurso das decisões proferidas pela Autoridade da Concorrência cuja irrecorribilidade não estiver expressamente prevista na presente lei. 2 – Não é admissível recurso de decisões de mero expediente e de decisões de arquivamento, com ou sem imposição de condições. 3 – Das decisões proferidas pela Autoridade da Concorrência cabe recurso para o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão. 4 – O recurso tem efeito meramente devolutivo, exceto no que respeita a decisões que apliquem medidas de caráter estrutural determinadas nos termos do n.º 4 do artigo 29.º, cujo efeito é suspensivo.
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