TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016
371 acórdão n.º 674/16 6. Finalmente, consagra, em relação a qualquer restrição a direitos fundamentais, como os acima identificados, o princípio de que as referida restrições só são admitidas para a salvaguarda de outro direito ou interesses consti- tucionalmente protegidos e desde que respeitando o princípio da proporcionalidade, nas suas diversas vertentes. 7. O direito à presunção de inocência e à tutela jurisdicional efetiva são direitos que também se aplicam aos destinatários de coimas aplicadas pela AdC e a restrição desses direitos também tem de se conformar com os dita- mes do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição. 8. O direito à tutela jurisdicional efetiva está previsto no n.º 1 do artigo 20.º, aplicando-se a todos os cida- dãos, e o direito à presunção de inocência dos arguidos, apesar de previsto expressamente no n.º 2 do artigo 32.º, aplica-se, por igualdade de razão, a arguidos em processos contraordenacionais, como o Tribunal Constitucional já reconheceu, para além de ter claro acolhimento no próprio n.º 10 do artigo 32.º, que protege o direito de defesa dos arguidos nesses mesmos processos contraordenacionais. 9. O critério constitucional em matéria de restrição a direitos fundamentais não é de tolerância mas de pro- porcionalidade e de necessidade para salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente garantidos. 10. Segundo a AdC os interesses constitucionalmente protegidos que alegadamente tornariam necessária (pro- porcional) a restrição ao direito de presunção de inocência e das garantias de defesa dos arguidos e do direito a uma tutela jurisdicional efetiva seriam “o aumento da equidade, celeridade e eficiência”, mas não se sabe de quê. 11. A AdC não explica em que termos é que a proteção da concorrência, prevista como incumbência do Estado e não como direito fundamental, nos termos da alínea f ) do artigo 81.º da Constituição, se torna mais equitativa, célere e eficiente por impor que a recorrida pague antecipadamente ou garanta o pagamento de largos milhares de euros antes mesmo de um tribunal considerar devido esse pagamento. 12. Não se nega a possibilidade constitucional de restringir legalmente direitos fundamentais mas essa possibi- lidade constitucional tem vários travões e um deles é o da proporcionalidade que, como se verá, foi completamente marginalizado na solução legal ora justamente posta em crise. 13. Com efeito, como o tribunal a quo bem nota, para além de não existirem fundamentos teóricos para tal efeito, previamente à intervenção judicial, que, in casu , é de plena jurisdição, “não se vislumbram também razões de ordem pragmática suscetíveis de justificar a execução antecipada das sanções (…)”. 14. Como bem refere o tribunal a quo, “é corolário necessário dessa plena jurisdição que a impugnação judicial garanta ao arguido a possibilidade não só de ver reapreciados todos os fundamentos da decisão impugnada, mas também de evitar os seus efeitos, pois a decisão impugnada da AdC passa a ter um valor meramente enunciativo”. 15. Perante o Tribunal, a posição do arguido e da Autoridade da Concorrência terão de valer o mesmo e ambos estão colocados em posições partidárias, razão pela qual não se respeita o direito a uma tutela jurisdicional efetiva quanto uma das partes no litígio já conseguiu previamente à decisão do Tribunal impor (ainda que provisoria- mente) a sua posição, obtendo o pagamento ou a garantia do pagamento do mesmo e podendo mesmo lançar mão de uma execução forçada da decisão. 16. Esta opção é inconstitucional on its face e inconstitucional mesmo que seja vista como uma opção restritiva do direito constitucional a uma tutela jurisdicional efetiva. 17. Nos termos do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, “a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”. 18. Ora, esse interesse constitucionalmente protegido não pode naturalmente ser, como já se referiu, um interesse tão pouco densificado como o previsto na alínea f ) do artigo 81.º, quando impõe ao Estado a tarefa de “assegurar o funcionamento eficiente dos mercados, de modo a garantir a equilibrada concorrência entre as empresas (…)”. 19. A solução vigente não respeita, assim, o princípio da proporcionalidade em qualquer das suas vertentes. 20. Para além da violação do direito á tutela jurisdicional efetiva, as normas legais em causa descuram por completo o princípio da presunção da inocência que, apesar de previsto no n.º 2 do artigo 32.º , consagra um princípio geral do direito sancionatório, aplicável, por igualdade de razão, aos casos de arguidos de processos
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