TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016
370 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL e artigo 41.º do RGCO. Logo, não colhe a interpretação de que a prestação de uma caução é na realidade a execução prévia da coima. N. O legislador ordinário em obediência às normas constitucionais goza de margem de liberdade legiferante em matéria de recursos, nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP e pode restringir, desde que respeitado o princípio da proporcionalidade, os direitos de defesa e a igualdade dos sujeitos processuais (onde também se incluem, necessariamente o acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva). O. Deste modo, os princípios constitucionais do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva que se consubs- tanciam na possibilidade de reação às decisões da AdC estão densificados na norma do n.º 1 do artigo 84.º E, portanto, os n. os 4 e 5 do mesmo normativo ao referirem-se aos efeitos do recurso das decisões administra- tivas para os tribunais não estão feridos de nenhuma inconstitucionalidade material nem contendem com o princípio da proporcionalidade e adequação corolário do Estado de direito democrático (artigo 2.º e n.º 2 do artigo 18.º da CRP). P. A coima aplicada pela AdC pode efetivamente ser diminuída mas também pode ser elevada pelo tribunal – cfr. n.º 1 do artigo 88.º da Lei n.º 19/2012. Q. É, por fim, ao Tribunal que compete legalmente determinar a existência (ou não) de prejuízo considerável e da suficiência da caução (que pode não ser paga fracionadamente) e, daí, conceder (ou não) efeito suspensivo ao recurso, o que não se alcança à custa de uma diminuição (intolerável) das garantias de defesa porque há direito ao recurso da decisão da AdC. R. A AdC propugna pela constitucionalidade dos n. os 4 e 5 do artigo 84.º da Lei n.º 19/2012, porquanto, enten- de que o mesmo não viola os princípios constitucionais: (i) da justiça da proporcionalidade decorrentes do Estado de direito democrático, nos termos do artigo 2.º e do n.º 2 do artigo 18.º; (ii) do direito de acesso ao direito e aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva, consagrado no n.º 1 do artigo 20.º e 268.º; (iii) da presunção da inocência, previsto no n.º 2 do artigo 32.º; e, ainda, (iv) a independência dos Tribunais na administração da justiça, previsto no artigo 202.º, todos da CRP. S. À cautela, o TCRS também não observa a jurisprudência uniforme e constante do TC segundo a qual as con- traordenações (ilícitos de mera ordenação social) e o direito penal têm natureza diferente e não se confundem, portanto, a alegada falta de um catálogo (ou elenco) das condições gerais para a verificação de um “fundado receio” que determine a aplicação da caução não que coloca em sede de direito contraordenacional (atenden- do à maior ressonância ética social dos crimes que pressupõem uma maior restrição e compressão dos direitos, liberdades e garantias, nomeadamente, o direito à liberdade) e como tal o princípio da proporcionalidade é respeitado pelas normas desaplicadas.» 4. A recorrida contra-alegou, concluindo, por seu lado, nos termos seguintes: «1. São as leis que têm de se acomodar com a Constituição e não a Constituição que tem de se acomodar às leis. 2. O que o tribunal a quo fez, ao desaplicar normas legais com fundamento na sua inconstitucionalidade, não é mais do que um dever constitucional do Tribunal, tendo em conta o disposto no artigo 204.º da Constituição. 3. Sob a capa da definição do regime legal do recurso, está manifestamente em causa a questão de saber se é constitucionalmente aceitável que uma coima que foi administrativamente fixada tenha de ser (ainda que proviso- riamente) paga ou garantida antes mesmo de um Tribunal se pronunciar pela primeira vez sobre a legalidade dessa mesma coima. 4. Ao contrário do que sucedia com a legislação anterior, nos termos do n.º 4 do artigo 84.º da Lei da Concor- rência, prevê-se que o “recurso tem efeito meramente devolutivo”, o que leva a que o montante da coima tenha de ser pago muito antes da decisão judicial, sob pena de o arguido poder vira ser objeto de execução coerciva. 5. Acontece que a Constituição consagra, felizmente, o princípio da presunção de inocência do arguido e tam- bém o direito à tutela jurisdicional efetiva (ambos enquadráveis nos direitos de defesa dos arguidos), que impedem que a tutela jurisdicional surja no ordenamento jurídico apenas de modo formal ou rodeada de tantas dificuldades não constitucionalmente justificadas que se torne numa tutela jurisdicional não efetiva.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=