TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016
366 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL regras de procedimentos penais, no sentido de assegurar a aplicação efetiva da Lei da Concorrência» e «Avaliar o processo de recurso e ajustá–lo onde necessário para aumentar a equidade e a eficiência em termos das regras vigen- tes e da adequação dos procedimentos». 7.ª À luz dos trabalhos preparatórios publicitados da Lei 19/2012, a operada alteração do regime dos recur- sos, em desvio ao sistema geral em matéria contraordenacional e penal, vem, pois, genericamente enquadrada no propósito expresso de «aumentar a equidade, a celeridade e a eficiência dos procedimentos de recurso judicial de decisões da Autoridade da Concorrência», com separação clara das regras processuais penais e «harmonizada com o enquadramento legal da concorrência da UE». 8.ª Assim, o artigo 88.º, n.º 1 da Lei 19/2012, com similar redação à do artigo 31.º do Regulamento do (CE) 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, elimina a proibição da reformatio in pejus . E a ausência de efeito suspensivo, agora constante do n.º 4 do artigo 84.º da mesma lei, caracteriza o recurso das decisões da Comissão, incluídas as de aplicação de coimas, podendo todavia o Tribunal atribuí-lo, «se considerar que as circunstâncias o exigem», nos termos do artigo 278.º do TFUE. 9.ª É sobre o novo regime do recurso, tal como passou a constar dos n. os 4 e 5 do artigo 84.º da Lei 19/2012, que incide o juízo de inconstitucionalidade contido na decisão recorrida. 10.ª Tal juízo assenta em dois distintos fundamentos, ambos igualmente dimensionados à luz do princípio da proporcionalidade (art. 18.º, n.º 2 da Constituição): (i) violação do direito à tutela jurisdicional efetiva, por des- proporcionada restrição do mesmo – artigos 20.º, n.º 5 e 18.º, n.º 2 da Constituição e (ii) violação do princípio de presunção de inocência – artigo 32.º, n.º 2 da Constituição. 11.ª No que respeita à declarada violação do princípio de presunção de inocência, a decisão recorrida expres- samente toma «como referência de análise o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 198/90», embora admitindo «que neste aresto estava em causa uma situação diferente e mais flagrante do que a solução normativa em análise». 12.ª: «Constitui afirmação recorrente na jurisprudência do Tribunal Constitucional a da não aplicabilidade direta e global aos processos contraordenacionais dos princípios constitucionais próprios do processo criminal», completada tal afirmação com «a necessidade de serem observados determinados princípios comuns que o legisla- dor contraordenacional será chamado a concretizar dentro de um poder de conformação mais aberto do que aquele que lhe caberá em matéria de processo penal». 13.ª Sufragada na jurisprudência constitucional a aplicação do princípio da presunção de inocência do arguido, no seu núcleo essencial, a demais procedimentos sancionatórios, desde logo no domínio disciplinar, como no caso do Ac. 198/90, referenciado na decisão recorrida, mas também, no que ora diretamente releva, no domínio contraordenacional. 14.ª Durante a fase pública de ampla discussão da Proposta de Lei 45/XII, que esteve na base da Lei 19/2012, relativamente às normas aqui em causa, registou-se a invocação da violação do princípio de presunção de inocência, ulteriormente retomada em diversos comentários acerca do Novo Regime Jurídico da Concorrência. 15.ª O referenciado Ac. 198/90, para declarar «inconstitucional a norma do artigo 37.º do Regulamento Disciplinar aprovado pelo Decreto de 22 de fevereiro de 1913, aplicável ao pessoal da Caixa Geral de Depósitos, na parte em que permite a perda total do vencimento do funcionário “desligado do serviço” por contra ele haver sido instaurado processo disciplinar», entendeu que tal regime «além de se traduzir na antecipação de um quadro de efeitos semelhantes aos da pena disciplinar de demissão, revela-se também afrontador do princípio da propor- cionalidade postulado pelo princípio do Estado de direito democrático, dada a manifesta desconformidade entre a medida cautelar imposta e o fim que através dela se pretendia atingir». 16.ª Situação diferente – e sem paralelismo com a dos autos. 17.ª Sabendo-se, embora, que «não é fácil determinar o sentido da presunção de inocência do arguido» e tendo-se o mesmo princípio, no seu núcleo essencial, a par do direito de defesa, como aplicável ao processo con- traordenacional, também enquanto «simples irradiação para esse domínio sancionatório de requisitos constitutivos do Estado de direito democrático», sendo o específico regime de recurso constante das normas contidas nos n. os 4 e 5 do artigo 84.º da Lei 19/2012 determinado pelo objetivo de «melhorar a celeridade e a eficácia da aplicação das regras da concorrência … . … mais harmonizada[s] com o enquadramento legal da concorrência da UE»
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