TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016

364 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL comparação com a margem de discricionariedade deixada ao legislador penal, designadamente em sede de definição das garantias de defesa do arguido, a norma em análise, onerando excessivamente o direito de acesso a uma tutela judicial efetiva, praticamente esvazia de sentido a presunção de ino- cência atribuída ao arguido, o que constitui compressão excessiva das garantias de defesa previstas no artigo 32.º, n. os 2 e 10, em articulação com o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, não sendo esta con- clusão infirmada pela circunstância de a caução poder vir a ser devolvida por efeito da decisão final, pois que a desproporção na medida ali prevista não sofre qualquer alteração na sua essencialidade por força desta possível reparação. XIV– Por último, a norma recusada não acautela a possibilidade de verificação de insuficiência económica do arguido/recorrente; numa análise de ponderação custos-benefícios, esta desconsideração total da situação económica do visado onera desproporcionadamente o sacrifício infligido no direito funda- mental do acesso à justiça individual para atingir o benefício de interesse público prosseguido; ao não ressalvar do seu âmbito o recorrente carenciado de meios económicos para prestar a caução exigida, a norma em análise cria um obstáculo excessivo à garantia do acesso à jurisdição plena, neutralizando uma das suas dimensões essenciais, ao não permitir aos arguidos economicamente carenciados evitar a produção de efeitos de uma decisão administrativa de natureza sancionatória e neste ponto particular a solução normativa adotada na Lei da Concorrência afasta-se mesmo do próprio regime em que se inspirou. XV – Em face do exposto o Tribunal julgou inconstitucional, por violação do princípio da tutela jurisdi- cional efetiva consagrado no artigo 20.º da Constituição, e concretizado, no âmbito da justiça admi- nistrativa, no artigo 268.º, n.º 4, da Constituição, entendido em articulação com o princípio da pro- porcionalidade implicado no artigo 18.º, n.º 2, e o princípio da presunção de inocência em processo contraordenacional decorrente do artigo 32.º, n. os 2 e 10, da Constituição, a norma em apreciação. Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório 1. Nos autos de contraordenação n.º 352/15.8YUSTR, a arguida, A., S. A., interpôs «recurso de impug- nação com efeito suspensivo» da decisão proferida pela Autoridade da Concorrência (AdC) que, em 15 de setembro de 2015, lhe impôs a coima de € 150 000 por infração ao disposto nos artigos 67.º, 68.º, n.º 1, alínea i), e 69.º, n.º 3, da Lei n.º 19/2012, de 8 de maio, que aprovou o novo regime jurídico da concorrên- cia (Lei da Concorrência: LdC). A arguida recorreu dessa decisão para o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, solicitando a atribuição do efeito suspensivo ao recurso com a invocação de que «o efeito meramente devolutivo (…) decorrente do n.º 4 do artigo 84.º da LdC, agravaria a delicada situação financeira da Recorrente» e ofere- cendo-se para prestar caução em substituição da coima «caso o Tribunal considere absolutamente necessário» (fls. 174 dos autos). O Tribunal admitiu o recurso e decidiu, com fundamento em inconstitucionalidade material, recusar a aplicação conjugada das normas constantes do artigo 84.º, n. os 4 e 5, do referido diploma legal, «quando apli- cáveis a decisões administrativas que tenham aplicado coimas, por violação do direito à tutela jurisdicional

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