TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016
358 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Em todo o caso, mesmo que existisse uma mera habilitação por remissão para portaria da matéria relativa ao recurso das custas de parte, sem que houvesse qualquer tratamento da matéria por lei – como acontece no caso da conta de custas –, tendo em conta que estamos perante uma restrição ao direito fundamental de acesso ao direito, muito dificilmente se respeitaria a reserva de lei constitucionalmente imposta. Mas como não existe sequer tal habilitação expressa, a questão nem sequer se chega a colocar nos presentes autos. Em suma, tendo em conta que a matéria da reclamação das custas de parte é unicamente regulada por por- taria e, mais concretamente, que se impôs o depósito da totalidade das custas de parte para se poder reclamar da nota justificativa apresentada, estando em causa uma restrição ao direito fundamental ao acesso ao direito e não existindo uma habilitação específica para o efeito no RCP nem em qualquer outra lei, a norma constante do n.º 2 do artigo 33.º da Portaria padece de inconstitucionalidade orgânica, por violação do princípio da competência reservada da Assembleia da República, decorrente da alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP, em conjugação com o artigo 20.º, n.º 1, da CRP. Finalmente, importa ainda salientar que muito dificilmente se poderia argumentar no sentido de que a alte- ração trazida pela Portaria n.º 82/2012, de 29 de março, à regulamentação da matéria da reclamação das custas de parte não é inovatória relativamente ao que acontecia anteriormente: de facto, ao passo que, na versão inicial da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, se condicionava a possibilidade de reclamar da nota justificativa ao depósito de 50% do valor da nota, após a alteração efetuada pela Portaria n.º 82/2012, de 29 de março, passou a impor-se o depósito da totalidade do valor da nota para a reclamação da nota justificativa. Em conclusão, a norma constante do n.º 2 do artigo 33.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, na reda- ção dada pela Portaria n.º 82/2012, de 29 de março, com o sentido de que “[a] reclamação da nota justificativa está sujeita ao depósito da totalidade do valor da nota”, é inconstitucional por violação do princípio da competência reservada da Assembleia da República constante do artigo 165.º, n.º 1, alínea b) , conjugado com o artigo 20.º, n.º 1, ambos da CRP.» O Acórdão n.º 189/16 concluiu, assim, pela inconstitucionalidade orgânica da norma objeto do pre- sente processo, por violação da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, consa- grada no artigo 165.º, n.º 1, alínea b) , da Constituição (e consequente violação da reserva de lei), na medida em que esta pode ser qualificada de restrição de um direito fundamental, o direito de acesso à justiça e à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição. No presente processo, decide-se aderir a esta fundamentação, renovando o julgamento formulado no Acórdão n.º 189/16. 9. Não procede, portanto, a argumentação em sentido contrário contida nas alegações do Ministério Público. Começa-se pela linha de argumentação que defende a não inconstitucionalidade orgânica da solução contida no artigo 33.º, n.º 2, da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, na redação dada pela Portaria n.º 82/2012, de 29 de março, por esta reproduzir o artigo 33.º-A, n.º 4, do CCJ, já apreciado pelo Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 347/09. Tem vindo a ser reconhecido que «como é jurisprudência constante deste Tribunal Constitucional, uma norma emitida sem autorização parlamentar só padece do vício de inconstitucionalidade orgânica quando estipula qualquer efeito de direito inovatório que devesse recair na competência reservada da Assembleia da República, não sendo possível imputar-lhe esse vício quando se limita a reproduzir o regime preexistente (cfr., entre muitos outros, os Acórdãos n. os 211/07, 310/09 e 176/10)» (cfr. Acórdão n.º 311/12, ponto 7). No Acórdão n.º 311/12, bem como nos arestos citados, a questão colocada prendia-se com a possibilidade de regulação de uma matéria contida na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República por decreto-lei não precedido por autorização legislativa (o mesmo pode ser dito, entre outros, dos Acórdãos n. os 77/88, 299/92, 502/97, 589/99, 377/02, 414/02, 450/02, 416/03, 123/04, 340/05 e 114/08).
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