TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016
352 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL III – O Código de Processo Civil (CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, remete, quanto à matéria das custas de parte, para o Regulamento das Custas Processuais (RCP), não resultando, porém, do RCP, nenhuma norma que regule diretamente a questão da reclamação da conta de custas de parte, constando esta regulação da Portaria n.º 419-A/2009. IV – O Acórdão n.º 189/16 concluiu pela inconstitucionalidade orgânica da norma objeto do presente processo, por violação da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, consagrada no artigo 165.º, n.º 1, alínea b) , da Constituição (e consequente violação da reserva de lei), na medida em que esta pode ser qualificada de restrição de um direito fundamental, o direito de acesso à justiça e à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, com fundamentação a que se adere no presente processo, renovando o julgamento formulado no Acórdão n.º 189/16. V – A questão colocada no presente processo não se inscreve no âmbito da relação entre a competên- cia legislativa (reservada) da Assembleia da República e a competência legislativa do Governo pelo que não é invocável a jurisprudência do Tribunal Constitucional nesse domínio para sustentar a não inconstitucionalidade orgânica da solução contida na norma sob apreciação; ao invés, a questão inci- de sobre a distinção entre o exercício da função legislativa e da função administrativa, pois estamos perante a regulação por portaria da reclamação da conta de custas de parte, de forma inovatória face ao ato legislativo (o RCP), que é invocado como sua base habilitante; assim, o objeto de análise é o da constitucionalidade do exercício da função administrativa para emitir a norma questionada através de um ato regulamentar, face à reserva de lei em sentido material (ou de função legislativa); por isso, a eventual inconstitucionalidade orgânica da norma em causa não é afastada por esta alegadamente reproduzir o já não em vigor artigo 33.º-A, n.º 4, do Código das Custas Judiciais. VI – Por outro lado, o Tribunal Constitucional já decidiu que a específica imposição de condições à possi- bilidade de reclamação de questões atinentes a custas judiciais, como é o caso das custas de parte, afeta o direito fundamental de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, pelo que a imposição, pela portaria, da necessidade de depósito da totalidade do valor da nota justificativa da conta de custas para que dela se possa reclamar, junto do tribunal, deve ser considerada, neste aspeto, um condicionamento restritivo inovatório do direito de acesso aos tribunais, ou seja, não está em causa um mero aspeto regulatório de ato legislativo, mas a imposição de um ónus ao reclamante, sem base em norma legal prévia. VII – Ora, o direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais inclui uma posição subjetiva «de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias», que está aqui em presença, sendo igualmente pacífico, por força do artigo 17.º da Constituição, «que o regime jurídico material e orgânico dos direitos, liberdades e garantias se deve aplicar ao direito de acesso à justiça», onde se inclui a reserva material de lei; assim, «tendo em conta que a matéria da reclamação das custas de parte é unicamente regulada por portaria e, mais concretamente, que se impôs o depósito da totalidade das custas de parte para se poder reclamar da nota justificativa apresentada, estando em causa uma restrição ao direito fundamental ao acesso ao direito e não existindo uma habilitação específica para o efeito no RCP, nem em qualquer outra lei, a norma constante do n.º 2 do artigo 33.º da Portaria padece de inconstitucio- nalidade orgânica, por violação do princípio da competência reservada da Assembleia da República, decorrente da alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, em conjugação com o artigo 20.º, n.º 1, da Constituição.»
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