TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016
339 acórdão n.º 641/16 elemento do tipo uma concreta relação de exploração não significa que a prevenção desta não seja a moti- vação fundamental da incriminação a partir do qual o aproveitamento económico da prostituição de quem fomente, favoreça ou facilite a mesma exprima, tipicamente, um modo social de exploração de uma situação de carência e desproteção social. Tal opção tem o sentido de evitar já o risco de tais situações de exploração, risco considerado elevado e não aceitável, e é justificada pela prevenção dessas situações, concluindose pelos estudos empíricos que tal risco é elevado e existe, efetivamente, no nosso país, na medida em que as situações de prostituição estão associadas a carências sociais elevadas (sobre a realidade sociológica da prostituição cfr., por exemplo, Almiro Simões Rodrigues, “Prostituição: – Que conceito? – Que realidade?”, em Infância e Juventude, Revista da Direção-geral dos Serviços Tutelares de Menores, n.º 2, 1984, p. 7 e ss., e José Martins Barra da Costa E Lur- des Barata Alves, Prostituição 2001 ..., ob.cit., supra) não é tal opção inadequada ou desproporcional ao fim de proteger bens jurídicos pessoais relacionados com a autonomia e a liberdade. Ancora-se esta solução legal num ponto de vista que tem ainda amparo num princípio de ofensividade, à luz de um entendimento compatível com o Estado de direito democrático, nos termos do qual se verificaria uma opção de política criminal baseada numa certa perceção do dano ou do perigo de certo dano associada à violação de deveres para com outrem – deveres de não aproveitamento e exploração económica de pessoas em estado de carência social [cfr., com interesse para a questão da construção do conceito de dano nesta área e independentemente da posição sobre a pornografia aí defendida, matéria que não tem relevância no contexto do presente acór- dão, Catherine Mackinnen, Pornography: On Morality in and Politics , em Toward a Feminist Theory of State , 1989, que defende a incriminação da pornografia em face da sua ofensividade contra a imagem da mulher e a construção da respetiva identidade como pessoa. Também sobre tal lógica de construção do dano, cfr. Sandra E. Marshall, “Feminism, Pornography and the Civil Law”, em Recht und Moral (org. Heike Jung e outros), 1991, p. 383 e ss., defendendo a autora que, na pornografia, o dano consistiria na negação da humanidade da mulher, sendo relevante para o tema do presente Acórdão a perspetiva de que “a perda da autonomia não é um assunto meramente subjetivo ... a autonomia é negada mesmo que não se reconheça. Aqui pode ser traçado um paralelo com a escravatura ... A própria condição da escravatura requer que o escravo não se veja a si próprio como alguém que possui ou a quem falta autonomia ... Isto pode ser formu- lado dizendo que uma tal pessoa não se pode ver a si própria completamente. Como item da propriedade não possui um em si mesma”]. O entendimento subjacente à lei penal radica, em suma, na proteção por meios penais contra a necessidade de utilizar a sexualidade como modo de subsistência, proteção diretamente fun- dada no princípio da dignidade da pessoa humana.» 6.3. Decorre ainda dos termos como suscitou a questão de constitucionalidade perante o tribunal a quo e, posteriormente, conformou o requerimento de interposição de recurso, que a recorrente faz decorrer da violação do princípio da proporcionalidade a infração dos demais parâmetros de constitucionalidade, tomando aqueles expressamente invocados parágrafos Y., Z. e CC.. Nessa medida, afastada a violação do artigo 18.º da Constituição, falece igualmente a pretendida “compressão ilícita e não proporcional” de um conjunto de direitos de liberdade ou a presença de uma diferenciação injustificada, lesiva do princípio da igualdade. 6.4. Por outro lado, a conclusão de violação do princípio da legalidade (artigo 29.º, n.º 1, da Constituição), na vertente da exigência de lei certa, parte da visão da recorrente quanto à não justificação ou ausência de dignidade penal na incriminação do lenocínio simples, que sustenta existir apenas quanto verificadas as circunstâncias previs- tas no n.º 2 do artigo 169.º do CP. Simplesmente, daí não resulta um qualquer défice de concretização da norma incriminadora, tanto mais que o sentido da atuação típica, incluindo quanto ao lenocínio agravado, que aceita sem reparos, encontra-se recortado no mesmo n.º 1 do preceito penal. Aliás, decorre do próprio requerimento de interposição de recurso e, exuberantemente, da motivação de recurso dirigida ao tribunal a quo, que a recorrente não teve dificuldade em percecionar a conduta proibida e cominada com uma pena, divergindo, porém, quanto à subsunção do tipo-de-ilícito.
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