TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016

337 acórdão n.º 641/16 sumária, em nenhum momento alude, expressa ou implicitamente, a tal cláusula, ou efetua ponderações que possam traduzir um juízo assente na definição dos bons costumes em matéria de comportamento sexual e no respetivo confronto com as condutas apuradas. Improcede, assim, também neste ponto, a reclamação.  7. O terceiro, e último, plano de discordância da reclamante versa a decisão negativa de inconstitu- cionalidade da norma constante do artigo 169.º, n.º 1, do Código Penal, na redação conferida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro, cuja fundamentação foi a que segue. «6.2. A conformidade constitucional da criminalização do lenocínio, perante a tipificação contida no artigo 169.º, n.º 1, do CP, na redação conferida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro, ou aquela que antecedeu essa alteração de redação, constitui questão simples, na aceção do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, por repetidamente apreciada por este Tribunal, sempre com afastamento de censura constitucional, por lhe estar subjacente uma perspetiva fundamentada na ordem axiológica da Constituição. É o que decorre, dentre as decisões mais recentes, dos Acórdãos n. os 170/06, 33/07, 396/07, 522/07, 141/10, 559/11, 605/11, 654/11, 203/12 e 149/14, todos reafirmando o que foi entendido no Acórdão n.º 144/04, leading case sobre a temática. Note-se que a circunstância deste aresto ter versado a incriminação do lenocínio constante do artigo 170.º, n.º 1, do Código Penal, não impede a sua transposição para a solução de questão incidente sobre o artigo 169.º, n.º 1, do Código Penal, na redação conferida pela Lei n.º 59/2007, pois ambos os preceitos assumem, na dimensão efetivamente aplicada na decisão recorrida – que não considerou a prática de atos sexuais de relevo –, plena identidade normativa (também assim, os Acórdãos n. os 141/10, 559/11, 605/11 e 203/12, que versaram igualmente a redação da norma penal incrimi- nadora alterada em 2007). Diz-se no Acórdão n.º 144/04:  “(…) [Q]uestão prévia a tal problemática e decisiva no presente caso, é a de saber se a norma do artigo 170.º, n.º 1, do Código Penal apenas protege valores que nada tenham a ver com direitos e bens consagrados constitucionalmente, não suscetíveis de proteção pelo Direito, segundo a Constituição portuguesa. Ora, a resposta a esta última questão é negativa, na medida em que subjacente à norma do artigo 170.º, n.º 1, está inevitavelmente uma perspetiva fundamentada na História, na Cultura e nas análises sobre a Sociedade segundo a qual as situações de prostituição relativamente às quais existe um aproveita- mento económico por terceiros são situações cujo significado é o da exploração da pessoa prostituída (cfr. sobre a prostituição, nas suas várias dimensões, mas caracterizando-o como “fenómeno social total” e, depreende-se, um fenómeno de exclusão, José Martins Bravo da Costa, “O crime de lenocínio. Harmoni- zar o Direito, compatibilizar a Constituição”, em Revista de Ciência Criminal, ano 12, n.º 3, 2002, p. 211 e ss.; do mesmo autor e Lurdes Barata Alves, Prostituição 2001 – O Masculino e o Feminino de Rua, 2001). Tal perspetiva não resulta de preconceitos morais mas do reconhecimento de que uma Ordem Jurídica orientada por valores de Justiça e assente na dignidade da pessoa humana não deve ser mobilizada para garantir, enquanto expressão de liberdade de ação, situações e atividades cujo “princípio” seja o de que uma pessoa, numa qualquer dimensão (seja a intelectual, seja a física, seja a sexual), possa ser utilizada como puro instrumento ou meio ao serviço de outrem. A isto nos impele, desde logo, o artigo 1.º da Constituição, ao fundamentar o Estado Português na igual dignidade da pessoa humana. E é nesta linha de orientação que Portugal ratificou a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discrimina- ção contra as Mulheres (Lei n.º 23/80, em D.R. , I Série, de 26 de julho de 1980), bem como, em 1991 a Convenção para a Supressão do Tráfico de Pessoas e de Exploração da Prostituição de Outrem ( D.R. , I Série, de 10 de outubro de 1991). (…)

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=