TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016

333 acórdão n.º 641/16 O facto de o Tribunal ter entendido que tal consentimento não operava para efeitos de exclusão da ilicitude por não se tratar de crime contra bem eminentemente pessoal e já ser permitida a condenação a título continuado não afasta tal inconstitucionalidade alegada, antes a reafirma. Importa assim que o Tribunal Constitucional aquilate da conformidade à Lei fundamental da consagração do que se entenda por “bons costumes” numa era de modernidade e evolução social, em que aquilo que era imoral há anos atrás hoje já o não é. Ou continuando a sê-lo, haverá muito menor resistência da sociedade em razão da tolerância crescente e acei- tação como quase normalidade. Veja-se que hoje em dia as relações e o próprio casamento não são já necessariamente heterossexuais, da mesma forma que o mundo tal qual o conhecemos na nossa doce infância hoje se mostra mudado. Se toda evolução será progresso já é outra questão... Razão pela qual, atento o consentimento, voluntarismo e desejo radicado em cada uma das mulheres, se mos- tram alterados os dados do problema subjacente à condenação! Na verdade, o Direito penal em nada se assemelha à moralidade tendo o legislador unicamente obrigação se perseguir sim os comportamentos que atentam contra bens jurídicos essenciais e não contra atos praticados entre maiores por quem se mostra no domínio da vontade e em circunstâncias aptas a garantir segurança. Como afirma Roxin, não sendo a conceção do bem jurídico estática, esta deve sempre conformar-se com os fins das normas constitucionais, as quais estão abertas às mutações sociais e aos progressos do conhecimento científico! E tais progressos vão precisamente no sentido contrário, a ponto de haver uma cada vez maior abertura das mentes e respeito pela opção, sem juízos nefastos pré-concebidos. Certo é que nem todo o ato de fomento, favorecimento ou facilitar de exercício de atos de cariz sexual remu- nerado justifica a convocação do Direito Penal e de entre os que o justifiquem, nem todos caberão na previsão do artigo 169.º CP. É tido por pacífico que o Direito Penal, neste particular, mutatis mutandis face ao crime contra a honra, não deve nem pode proteger as pessoas face a meras impertinências [neste sentido veja-se Cardenal Murillo, Proteccion Penal Del Honor (1993), 66]. Ora, tal limiar mínimo de relevância, corresponde, grosso modo, à linha demarcativa, a esse Equador (ou na visão perpendicular ou vertical “Meridiano”!), impondo-se a convocação do Direito Penal sempre que se mostre o mesmo ultrapassado. O certo é que todavia não é tal linha estanque e imutável, tendo vindo a sofrer a erosão dos tempos, tal como a própria questão da sexualidade. No presente caso, dúvidas não haverão que os factos em si poderão ser minimamente censuráveis e não se enquadrar no normal acontecer de uma sociedade, fugindo à desejabilidade comportamental de ambas as partes. Todavia, a questão que se coloca é saber se atingem o minus de relevância penal a ponto de exigir a intervenção de tal ramo do Direito. Na verdade, não basta qualquer contacto ou ato sexual (a lei fala mesmo em prostituição!), havendo de aferir da sua relevância penal, tendo por parâmetro a sociedade bem como as consequências. Pelo que de fora ficam desde logo, os atos bagatelares ou considerados insignificantes bem como todos aqueles que, ainda que de algum significado e impróprios, atenta a sua instantaneidade, ocasionalidade e reduzida ocorrên- cia não sejam obstáculo de forma significativa à livre determinação sexual da vítima. Constituindo a mais intensa das restrições que – neste âmbito – o Estado tem ao seu dispor, a reação penal deverá pautar-se por critérios de estrita necessidade e proporcionalidade, sob pena de se desincentivar o cabal exer- cício de tais liberdades fundamentais. Haverá que aquilatar, com a ajuda de um “lenocimetro”, se possível, quando é que tal liberdade de autode- terminação sexual justifica a “entrada em cena” do Direito Penal, devendo interpretar-se cum grano salis a norma incriminadora. Com o que fica dito pretende-se unicamente fazer alusão ao facto de inexistir qualquer instrumento de verifi- cação precisa que nos forneça uma resposta clara e inequívoca...

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