TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016
332 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL medida em que se tem por inconstitucional, por compressão ilícita e não proporcional, nos termos do artigo 18.º CRP, bem como violação dos direitos à liberdade (mesmo sexual, radicando em tal campo o direito à diferença, e ao trabalho, consagrados nos artigos 1.º, 27.º n.º 1, 58.º) a dimensão normativa de tal norma (art. 38.º n.º 1 CP) quando interpretada no sentido de se ter por contrária aos bons costu- mes, para efeitos de não exclusão da ilicitude, a livre prática de relações sexuais, fora da via pública e em reserva da respetiva intimidade, ainda que a troco de dinheiro, sempre e quando a mesma seja levada a cabo entre maiores, de sexos distintos, radicando numa vontade e desejo livres e esclarecidos de ambas as pessoas sem qualquer coação, violência ou ameaça grave, constrangimento, ardil ou manobra fraudu- lenta, abuso de autoridade ou aproveitamento de incapacidade psíquica ou especial vulnerabilidade da vítima; Y. Tem-se assim por inconstitucional o entendimento, e dimensão normativa do artigo 169.º n.º 1 CP, segundo o qual o crime de lenocínio se baste com a existência de atos de cariz sexual, livremente entre maiores, em local cujo domínio pertence à esfera própria e privada da mulher ou por si livremente esco- lhido, sem qualquer controlo ou ingerência dos arguidos, pelo preço por ela acordado e traduzindo-se num comportamento instantâneo, sob pena de, a assim se entender, se alargar o âmbito da reação penal de forma desmesurada, sendo certo que todos os preceitos constitucionais integram normas que forne- cem os parâmetros de interpretação reta do Direito que lhe está infra ordenado, devendo assim lançar-se mão do princípio da interpretação conforme a Constituição da República Portuguesa, constituindo a essência do princípio da igualdade não em tratar tudo por igual sob pena de, por paradoxal que pareça, gerar manifesta e clara desigualdade, mas sim em tratar de forma igual o igual e de forma diferenciada o desigual; Z. Apresenta-se igualmente disforme à Lei fundamental a dimensão normativa e interpretação de tal norma legal no sentido de consubstanciar crime de lenocínio a mera prática de relações de natureza sexual entre maiores quando inexista qualquer preterição da sua liberdade e autodeterminação sexual bem como ins- trução, vigilância ou qualquer outra espécie de controlo a exercer pelos arguidos ou por quem quer que seja, tendo a mulher domínio pleno da sua atuação e ação e tratamento condigno e condizente com a sua condição humana, ao nível de cordialidade, simpatia, liberdade e autodeterminação sexual, inexistindo assim qualquer ofensa a algum bem jurídico ou mesmo vítima; CC. A normal legal ora em causa (o artigo 169.º n.º 1 CP, qual caldeirão e albergue espanhol) foi criada para contornar qualquer eventual lacuna de punibilidade, com um âmbito de aplicação geral, tendo- -se por inconstitucional tal forma de legislar, por violação da exigência de lei certa e do princípio da legalidade, vertidos nos artigos 1.º n.º 1 CP e 29.º n.º 1 CRP atenta a não determinação concretizante do facto ilícito típico ou da vítima, sendo, não uma norma legal mas um princípio jurídico que se mostra depois concretizado e subsumido no número seguinte dada a impossibilidade de, sem violência ou ameaça grave, ardil ou manobra fraudulenta, abuso de autoridade resultante de relação familiar, de tutela ou curatela, dependência hierárquica, económica ou de trabalho bem como aproveitamento de incapacidade psíquica ou especial vulnerabilidade, ocorrer a prática ou mera possibilidade de tal crime e existência de uma vítima! No que concerne à primeira questão, a fls. 8 da douta decisão, mostra-se referido que o seu objeto não corres- ponde a norma efetivamente aplicada pelo Tribunal. Ora, se é um facto que assim possa ser em termos abstratos, por não ter a recorrente o dom da adivinhação expressis verbis, o certo é que a ideia de consentimento a não afastar a ilicitude está bem expressa no teor decisório, a afastar a peticionada absolvição. Temos assim que quer por via expressa quer por via implícita, tal entendimento e dimensão normativa foi efetivamente aplicado pelo Tribunal, afastando a ideia de que tal consentimento constituiria causa de exclusão da ilicitude. E é essa a ideia chave do juízo de inconstitucionalidade alegado.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=