TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016
32 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL quantitativos legalmente devidos por uma empresa aos seus trabalhadores, ao diminuir os custos fixos com pessoal, beneficia-a ilegitimamente perante as demais empresas suas concorrentes. Qualquer uma destas duas perspetivas é, por si só, justificativa da relevância juspublicística da ordem de pagamento prevista no artigo 564.º, n.º 2, do Código do Trabalho, porquanto a respetiva emissão visa assegu- rar não apenas a defesa da legalidade democrática por via da prevenção negativa, como a proteção de direitos fundamentais dos cidadãos e o funcionamento eficiente dos mercados por via da garantia de uma equilibrada concorrência entre as empresas [vide artigos 59.º, n.º 1, alínea a) , e 81.º, alínea f ) , ambos da Constituição]. Decerto que a solução de conjugar a emissão da ordem de pagamento em simultâneo com a aplicação da coima não constitui um modo de proteção constitucionalmente devido dos interesses e valores com relevân- cia constitucional tutelados pela imposição do dever cujo incumprimento corresponde à contraordenação a punir. No entanto, pelas razões expostas, tal proteção, além de constitucionalmente justificada, também não é constitucionalmente proibida, correspondendo antes a uma solução possível concretizadora de deveres de proteção, que o legislador democrático definiu no exercício da sua liberdade de conformação. 13. Refira-se, por fim, que o âmbito geral de aplicação da norma sindicada – os casos em que a conduta sancionada consista na omissão do pagamento de um crédito laboral devido ao trabalhador – em nada contende com a respetiva não inconstitucionalidade, nem, de resto, foi essa a perspetiva assumida pelo tribunal a quo. Com efeito, é a própria lei que distingue entre a coima (e as sanções acessórias) e os quantitativos em dívida. Estes não correspondem a uma sanção e, por isso, a determinação da sua devolução não tem de estar prevista em cada um dos tipos objetivos de contraordenações que se traduzam na omissão de pagamentos devidos; os mesmos “quantitativos” correspondem, isso sim, ao objeto do dever omitido, o qual é pressuposto da sanção. Vem isto a propósito da argumentação do Ministério Público relativa à ideia de a ordem de pagamento corresponder a uma sanção reconstitutiva cumulada com a sanção punitiva em que a coima aplicada se traduz (cfr. a conclusão 4.ª da sua alegação). Deste sentido parece aproximar-se também Soares Ribeiro – o Autor seguido pela sentença recorrida – quando põe em evidência a reprodução no artigo 273.º, n.º 4 (retri- buição mínima mensal garantida), da fórmula constante do artigo 564.º, n.º 2, ambos do Código do Traba- lho de 2009. Entende aquele Autor que somente no referido artigo 273.º «o tipo legal contém o comando de a decisão da autoridade administrativa determinar a ordem do seu pagamento»; já o artigo 564.º, n.º 2, «não [contendo] um comando de aplicação a toda e qualquer situação de quantitativos em dívida ao tra- balhador, [representa] tão só um programa que necessita de ser concretizado no tipo legal específico» (vide Autor cit., Contraordenações Laborais, cit. notas 2 e 3 ao artigo 564.º, pp. 363-364; itálico aditado). É com base nesta distinção que o mesmo Autor, depois, se propõe avaliar, em relação a cada tipo, a justificação da proporcionalidade da solução legal (aceitando, em relação ao caso do artigo 273.º, que «os valores» em jogo, nomeadamente a garantia do mínimo necessário para a subsistência do trabalhador, justifiquem, por razões de celeridade, «que haja uma invasão da esfera materialmente judicial», ainda assim respeitadora da adequa- ção e da proporcionalidade – vide ibidem , nota 2 ao artigo 273.º, p. 246, e nota 3 ao artigo 564.º, p. 364). Mas, como referido, não foi essa a interpretação feita pelo tribunal a quo do artigo 564.º, n.º 2, do Código do Trabalho, sendo certo que o Tribunal Constitucional, em sede de fiscalização concreta da consti- tucionalidade, tem os seus poderes de cognição limitados pela norma que a decisão recorrida, conforme os casos, tenha aplicado ou a que haja recusado aplicação (cfr. o artigo 79.º-C da LTC). III – Decisão Nestes termos, decide-se: a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 564.º, n.º 2, do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, na interpretação de que concede a um ente administrativo, em
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