TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016

31 acórdão n.º 510/16 Em sentido semelhante, sustentando que a autonomia dogmática do direito do trabalho se alicerça em «prin- cípios ou valorações materiais subjacentes ao sistema normativo laboral» que se diferenciam dos princípios subja- centes ao direito civil, Maria do Rosário Palma Ramalho refere que é «inevitável o reconhecimento da autonomia dogmática do direito do trabalho, porque subjacentes aos diversos institutos e regimes laborais (…) se encontram valorações materiais específicas, e porque a própria construção da área jurídica em termos sistemáticos é informada por uma lógica que a afasta do direito civil: por um lado, (…) os principais institutos laborais (o contrato de tra- balho, a convenção coletiva e a greve) mostram-se irredutíveis aos quadros dogmáticos do direito comum, porque o seu regime jurídico contraria alguns dos princípios civis fundamentais e se orienta por valores concorrentes ou alternativos aos do direito civil, como o da proteção do trabalhador ou o da salvaguarda dos interesses de gestão do empregador, o da igualdade de tratamento entre trabalhadores ou o da autonomia coletiva; por outro lado, a organização do sistema normativo laboral com base numa lógica coletiva e de autossuficiência (provada pela indis- sociabilidade dos fenómenos laborais individuais e coletivos e pela capacidade de desenvolver recursos específicos de tratamento dos problemas de interpretação e aplicação das normas laborais e da tutela dos interesses e institutos laborais, que asseguram a coerência interna e a sobrevivência do próprio sistema) mostra-se também inspirada por valores específicos, atinentes à proteção dos interesses dos trabalhadores e/ou dos empregadores, à autonomia coletiva ou à paz social» (cfr. Maria do Rosário Palma Ramalho, Da Autonomia Dogmática do Direito do Trabalho , Almedina, Coimbra, 2000, pp. 961-962; cfr. ainda, Tratado de Direito do Trabalho, Parte I – Dogmática Geral, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2012, pp. 493 e ss.).» Acresce a importância autónoma da retribuição, justificativa de medidas de proteção especiais e com uma incidência imediata no plano da concorrência entre as empresas [artigos 59.º, n. os 1, alínea a) , e 3, e 81.º, alínea f ) , ambos da Constituição]. Conforme reconhecido no Acórdão n.º 257/08: «[A] retribuição da prestação laboral, quer na sua causa, que na sua destinação típica, está intimamente ligada à pessoa do trabalhador. Ela é a contrapartida da disponibilização da sua energia laborativa, posta ao serviço da entidade patronal. Ela é também, por outro lado, o único ou principal meio de subsistência do trabalhador, que se encontra numa situação de dependência da retribuição auferida na execução do contrato para satisfazer as suas necessidades vivenciais. É esta dimensão pessoal e existencial que qualifica diferenciadamente os créditos laborais, justificando a tutela constitucional reforçada de que gozam, para além da conferida, em geral, às posições patrimoniais ativas. É, na verdade, esta perspetiva valorativa que levou à consagração do direito à retribuição do trabalho entre os direitos dos trabalhadores enumerados no n.º 1, alínea a) , do artigo 59.º da CRP, por forma a “garantir uma existência condigna” – direito este já expressamente considerado pelo Tribunal Constitucional como um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias (Acórdão n.º 379/91). Por outro lado, no n.º 3 do mesmo preceito estabelece-se que “os salários gozam de garantias especiais, nos termos da lei”. Esta previsão constitucional de garantias especiais para créditos salariais seguramente que, não só justifica, como impõe, regimes consagradores da sua discriminação positiva, em relação aos demais créditos sobre os empre- gadores (cfr., neste sentido, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I, 4.ª edição, Coimbra, 2007, 777).» E, por isso, é pacífico na doutrina, e este Tribunal tem também afirmado, que o direito à retribuição é um direito de natureza análoga aos direitos liberdades e garantias (vide, entre muitos, os Acórdãos n. os  620/07 e 396/11), que, de resto, o Estado tem o dever de proteger (cfr. artigo 59.º, n.º 2, da Constituição). Já a defesa da concorrência constitui um dos instrumentos essenciais da política económica, sendo-lhe comummente reconhecidas virtualidades nos planos da garantia dos direitos dos consumidores (nomeada- mente, o direito a uma escolha diversificada de bens e serviços, nas melhores condições de qualidade e de preço) e da eficiência do mercado (estímulo às empresas no sentido de maximizarem a respetiva competitivi- dade e de se adaptarem constantemente ao progresso técnico e científico). Ora, a omissão de pagamento dos

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