TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016
284 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 8. Não é manifestamente o que sucede no caso sub judicio . Com efeito, admitindo-se que o vício de inconstitucionalidade orgânica, por violação do artigo 165.º da Constituição, possa afetar, não apenas as normas legais, no seu conteúdo dispositivo imediato, mas as próprias interpretações que conduzam a resultados demonstrativos dessa invasão de competências, afigura-se indispensável, em qualquer dos casos, que a norma em crise, regulando matéria da reserva relativa de com- petência legislativa da Assembleia da República, conste de um decreto-lei do Governo ou tenha por fonte hermenêutica preceitos legais nele consagrados. Ora, analisando o objeto do recurso, verifica-se que as normas dos artigos 150.º, n.º 1, do CPTA, e 26.º, alínea h) , do ETAF, de que o tribunal recorrido alegadamente extraiu a interpretação sindicada, integram leis aprovadas pela Assembleia da República (Lei n.º 15/2002, de 22 de fevereiro, e Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro, respetivamente), no uso da competência legislativa que lhe é precisamente deferida pelo artigo 165.º, n.º 1, alínea p) , da Constituição. A competência material que o Supremo Tribunal Administrativo entende estar-lhe atribuída, em apli- cação dos referidos preceitos legais, encontra-se, assim, estabelecida por lei da Assembleia da República. E assim sendo, não há qualquer fundamento constitucional para julgar verificado o vício de inconstituciona- lidade orgânica que o recorrente, abstraindo disso, imputa a uma tal interpretação da lei (neste sentido, cfr. Decisão Sumária n.º 743/14, proferida em recurso interposto pelo Ministério Público com objeto idêntico ao dos presentes autos). 9. Tanto basta para se concluir pela improcedência do recurso, sendo certo que também se não descor- tina na argumentação do recorrente, que substancialmente mais parece configurar uma arguição de incons- titucionalidade material, por violação do princípio da legalidade (artigo 203.º da Constituição), quaisquer razões que permitam sequer a formulação, no caso sub judicio , de um juízo de mérito com base nesse parâ- metro constitucional. Alega o Ministério Público que, perante o «silêncio eloquente da lei», a atribuição ao Supremo Tribu- nal Administrativo de competência material para conhecer de recursos de revista interpostos no âmbito do contencioso tributário, por via de «um raciocínio de analogia ou de extensão teleológica dos artigos 150.º, n.º 1, do CPTA, e do artigo 26.º, alínea h) , do ETAF», representa a criação, pelos tribunais, de um novo meio processual (‘recurso de revista excecional, em matéria de questões jurídico-fiscais’) que o legislador não previu, nem quis. Nesta perspetiva, o tribunal recorrido, atribuindo à lei um sentido que ela não comporta, terá violado o princípio da legalidade, a que está constitucionalmente sujeita a atividade dos tribunais, e invadido, desse modo, a esfera de competências do poder legislativo (artigos 111.º e 203.º da Constituição). 10. Admite-se que o Tribunal Constitucional, verificados determinados pressupostos respeitantes à natureza normativa do recurso de constitucionalidade, possa controlar o resultado do processo de inter- pretação desenvolvido pelos tribunais, em domínios normativos em que é a própria Constituição a vedar o recurso à analogia, como meio de suprimento de lacunas legais, ou determinadas formas de interpretação, como paradigmaticamente sucede no domínio do direito criminal e do direito fiscal (artigos 29.º, n. os 1 e 3, e 102.º, n. os 2, e 3, da Constituição; neste sentido, entre outros, Acórdãos do Tribunal Constitucional n. os 395/03 e 441/12; admitindo a invocação do princípio da legalidade enquanto parâmetro de fiscalização da constitucionalidade aplicável no âmbito do direito processual penal, cfr. também Acórdão n.º 324/13). Não decorrendo da Constituição limitações materiais dessa natureza, como é o caso, não pode o Tribunal Constitucional verificar se a interpretação normativa questionada ultrapassa o sentido possível das palavras da lei, sob pena de se converter em última instância de recurso, não apenas em matérias de natureza jurídico- -constitucional (artigo 221.º da Constituição), mas na fixação do próprio sentido decisivo da lei, o que lhe está claramente vedado, enquanto órgão a quem apenas compete fiscalizar a conformidade constitucional das normas de direito ordinário, resultem elas diretamente da lei ou de certa interpretação da lei.
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