TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016
27 acórdão n.º 510/16 tranquilidade de vida são exigidos pela própria Constituição em sede de direitos económicos, sociais e cul- turais –, entendeu o Tribunal que uma resposta afirmativa pressupunha que se pudesse considerar lícita «a subtração de certas situações à pura ponderação de interesses sob a égide do direito privado», submetendo- -as a um regime de direito público suscetível de legitimar a prática de verdadeiros atos administrativos pelos órgãos e entidades a quem estivesse confiada a defesa do interesse público, já que «também os direi- tos subjetivos e os interesses legítimos dos particulares constituem limite e critério de ação administrativa». Porém, no caso concreto, considerou o Tribunal não ser a norma do citado artigo 94.º, n.º 1, compatível com a Constituição, à luz de uma ideia de tutela administrativa dos interesses dos consumidores, pela seguinte e decisiva razão: «[A] lei de defesa dos consumidores (a Lei n.º 24/96, de 31 de Julho) não [prevê] nem [atribui] a quaisquer entidades públicas a concreta incumbência de velar, no plano do direito administrativo, pela realização e efetiva- ção dos direitos dos consumidores à “proteção dos interesses económicos” (artigo 9.º) e à “reparação dos danos”: como resulta do preceituado no artigo 14.º da referida Lei, a incumbência cometida aos órgãos e departamentos da Administração Pública para proteção dos direitos económicos dos consumidores traduz-se apenas na criação e apoio a “centros de arbitragem” – e não na “deslocação” de tal matéria para o campo do direito público, de modo a legitimar a prática de atos administrativos em tal sede.» Recorde-se que o preceito em causa objeto deste juízo positivo de inconstitucionalidade – o artigo 94.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 264/86, de 3 de setembro – previa a cobrança administrativa das «importâncias indevidamente recebidas» pelas empresas, «independentemente da aplicação das sanções previstas» na lei. Não é isso, todavia, o que se passa no caso sub iudicio . Diferentemente, o legislador do Código do Trabalho, nomeadamente através da punição como contraordenação da omissão de certos deveres e da subsequente imposição do cumprimento do dever omitido, prevê uma atuação positiva da Administra- ção no sentido de garantir a realização e efetivação dos direitos dos trabalhadores, maxime o seu direito à retribuição, e de assegurar uma equilibrada concorrência entre as empresas – dois interesses públicos constitucionalmente relevantes [cfr., respetivamente, os artigos 59.º, n.º 1, alínea a) , e 81.º, alínea f ) , ambos da Constituição]. 10. Com efeito, não se pode perder de vista a necessária conexão entre a contraordenação punida pela coima aplicada e a dívida ao trabalhador objeto da ordem de pagamento prevista no artigo 564.º, n.º 2, do Código do Trabalho. Tal conexão é, desde logo, evidenciada pela ligação entre os n. os 1 e 2 do mencio- nado artigo: consistindo a contraordenação laboral na omissão de um dever, o pagamento da coima não dispensa o infrator do seu cumprimento, se este ainda for possível, pelo que, caso o dever em causa respeite ao pagamento de quantias devidas ao trabalhador («sendo caso disso»), deve a decisão que aplique a coima conter a ordem de pagamento dos quantitativos em dívida ao mesmo trabalhador. Ou seja, a ordem de pagamento em causa não pode ter por objeto uns “quaisquer créditos laborais”, mas somente aqueles que são, eles próprios, tutelados por via contraordenacional, isto é, aqueles cujo não cumprimento consubstan- cia, cumulativamente, o preenchimento do tipo objetivo de uma contraordenação laboral. O mesmo é dizer que a ordem de pagamento dos quantitativos em dívida ao trabalhador prevista no artigo 564.º, n.º 2, do Código do Trabalho tem por objeto exclusivo um pagamento que corresponde ao dever cuja omissão é sancionada pela coima aplicada. Aliás, a medida do incumprimento do dever omitido determina a medida do pagamento imposto pela Administração. Em rigor, portanto, a imposição administrativa do pagamento não se limita a dirimir um litígio contratual nem a garantir o cumprimento de uma simples obrigação inter partes ; para além disso, e, sobretudo, o mesmo ato impositivo traduz-se numa injunção para fazer o que indevidamente foi omitido e que, como tal, consubstancia o ilícito de mera ordenação social punido com a coima aplicada.
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