TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016

26 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL decisão situa-se num plano distinto do dos interesses em conflito. Na segunda hipótese verifica-se uma osmose entre o caso resolvido e o interesse público”.» A importância decisiva da presença de um interesse público (administrativo) é, deste modo, fundamen- tal para legitimar constitucionalmente o exercício de poderes parajurisdicionais por entidades administrati- vas, sem prejuízo, naturalmente da possibilidade de posterior reexame judicial: fora do domínio da reserva absoluta de jurisdição constitucionalmente determinada, não está, em princípio, vedada a atribuição norma- tiva à Administração do poder de praticar atos materialmente equiparáveis aos da função jurisdicional, desde que a respetiva finalidade exclusiva, principal ou específica se reconduza à satisfação de necessidades públicas diferentes da simples pacificação de um conflito de interesses existente entre a Administração e o destinatário do ato ou entre terceiros destinatários do ato: «Utilizando este critério [– o mencionado critério teleológico –], será possível distinguir a função adminis- trativa da função jurisdicional naqueles casos problemáticos em que à Administração também cabe realizar uma composição de conflitos: estaremos perante um ato jurisdicional quando a sua prática se destine precisamente (especificamente, exclusivamente ou a título principal) à “realização do interesse público da composição de con- flitos”, à “realização do direito e da justiça” ou à “resolução de uma questão de direito”; estaremos perante um ato administrativo se, mesmo que a decisão envolva uma composição de interesses, ela for apenas o meio para prosse- cução de outro (ou outros) interesses públicos, isto é, se a finalidade exclusiva, principal ou específica da medida for a satisfação de necessidades públicas que não a de “dizer o direito” no caso concreto”.» (vide Vieira de Andrade, A Reserva do Juiz, cit., p. 219).   Tal vale para atuações no domínio da ordenação e sanção, da regulação ou, mesmo daquela que será porventura a atuação mais próxima da que é típica da função jurisdicional, a resolução de conflitos . A propó- sito desta última, observa Pedro Gonçalves que a sua legitimidade não depende do critério mais ou menos amplo que se adote relativamente ao alcance da reserva de juiz, visto que, «apesar das diferenças, as duas teses [– regra da reserva absoluta de jurisdição versus princípio da reserva relativa –] aceitam que as competências (administrativas ou jurisdicionais) de conflitos confiadas a órgãos da Administração Pública não perturbam a reserva de juiz, conquanto esteja presente um específico interesse público de natureza administrativa que justifique a intervenção da Administração. Quando assim acontece, os órgãos administrativos resolvem o conflito através dos designados atos administrativos de resolução de conflitos […] (vide Autor cit., Entidades Privadas com Poderes Públicos , Almedina, Coimbra, 2005, pp. 546 e segs., nota 377).  9. A essencialidade da prossecução de um interesse público relativamente à caracterização da atuação da Administração como materialmente administrativa – e não como materialmente jurisdicional – é bem patente num caso, que, prima facie , poderia ser tido como paralelo ao presente: trata-se da situação deci- dida pelo Acórdão n.º 235/98, que julgou inconstitucional a norma do n.º 1 do artigo 94.º do Decreto-Lei n.º 264/86, de 3 de setembro, por violação da reserva da função jurisdicional (determinação administrativa de pagamento pelas agências de viagens e turismo de quantias aos seus clientes, a título de reembolsos ou indemnizações). Nesse caso, considerou o Tribunal que o ato administrativo que determinava a realização de tais pagamentos implicava «o exercício de uma atividade materialmente jurisdicional, que passa pela aplica- ção das regras do Código Civil e da legislação especial que regula os contratos celebrados entre essas agências e os respetivos clientes». Interrogando-se sobre a existência de analogia com a situação apreciada nos Acórdãos n. os 158/95, 190/95, 193/95 e 579/95 – que concluíram pela caracterização da remoção forçada de canídeos pelas autoridades administrativas como atividade administrativa, porquanto não estava em causa a resolução de conflitos de vizinhança mas antes a atuação de normas de direito público que, tal como o sossego e

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