TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016

258 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL matéria de facto e das considerações de direito, não sendo, porém, para servir tais propósitos que existe o Tribunal Constitucional. 3. Cumpre, por conseguinte, começar por apreciar a questão prévia da cognoscibilidade do recurso. II – Fundamentação a) Questão prévia 4. O presente recurso foi interposto ao abrigo da alínea b) do artigo 70.º, n.º 1, da LTC. Nos termos desta disposição legal, cabe recurso para o Tribunal Constitucional de decisão que aplique norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. Indispensável é, assim, desde logo, que a norma ou o critério normativo cuja inconstitucionalidade se requer tenha constituído o fundamento normativo da decisão recorrida. Os recorrentes pretendem ver apreciada e declarada a inconstitucionalidade das normas dos n. os 1 e 2 do artigo 111.º do Código do Trabalho por violação dos artigos 53.º e 18.º da Constituição, na interpretação aplicada na decisão recorrida a qual, em seu entender, permite “verdadeiros despedimentos com alegada justa causa objetiva inteiramente estranha à atuação do trabalhador (…) completamente fora do estrito quadro dentro do qual aquele mesmo preceito (…) admite tal tipo de despedimentos”. Nas alegações que produ- ziram, os recorrentes sustentam que a interpretação dada pelo tribunal a quo aos referidos preceitos legais legitima “despedimentos ad nutum ”, sem necessidade de demonstração dos fundamentos ou veracidade da invocada necessidade de extinção do vínculo, e também sem procedimento prévio, e sobretudo sem qualquer indemnização. Em seu entender, “a conduta das RR. violou o basilar princípio da boa fé, consagrado nos artigos 227.º e 762.º do CC (…)” (conclusão 8.ª). O acórdão recorrido sustentou, porém, o decidido numa ordem de razões que não coincide com a invocada pelos recorrentes. De acordo como a fundamentação expendida pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 111.º do Código do Trabalho, a denúncia do contrato de trabalho durante o período experimental não depende da invocação de um motivo válido que a justifique, nem do pagamento de indemnização à parte contrária. Mas está sujeita aos limites decorrentes do artigo 334.º do Código Civil. Mais se entendeu, no acórdão recorrido, que não constitui abuso de direito nem violação do princípio da boa fé a denúncia de con- tratos de trabalho promovida pela empregadora durante o período experimental, motivada na decisão polí- tica de extinção da empregadora, quando aos trabalhadores foi dado conhecimento da situação precária em que a empregadora se encontrava no momento da celebração dos contratos e que motivou aquela extinção. Deste modo, seguindo a fundamentação desenvolvida no acórdão recorrido, o artigo 111.º do Código do Trabalho apenas permite, durante o período experimental, a denúncia de contratos de trabalho motivada em razões alheias ao desempenho profissional dos trabalhadores que não configure abuso de direito e não toda e qualquer denúncia, designadamente fora do quadro legal, ou sem necessidade de demonstração da veracidade da necessidade de extinção do vínculo. A discrepância assinalada entre a interpretação normativa que fundou a decisão recorrida e a questão de constitucionalidade colocada pelos recorrentes impede o conhecimento do recurso. Na verdade, a resolução da questão de constitucionalidade deverá refletir-se, efetivamente, na decisão recorrida, implicando a sua reforma no caso de o recurso obter provimento, o que apenas sucede quando a norma cuja constitucionali- dade o Tribunal Constitucional aprecie haja constituído o fundamento normativo da decisão recorrida. Ora, como acima se deixou evidenciado, tal não se verifica no presente recurso.

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