TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016
250 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Universal dos Direitos do Homem e igualmente acolhido no artigo 6.º da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais. Não são comparáveis as situações de concessão de apoio a pessoas singulares e a pessoas coletivas, pelo que a promoção das condições positivas de acesso aos tribunais nos casos de insuficiência económica não tem o mesmo significado quanto a pessoas singulares e quanto a pessoas coletivas com fim lucrativo, que devem, por imposição legal, integrar na sua atividade económica os custos com a litigância judiciária que desenvolvem, assim assegurando a proteção dos interesses patrimoniais da universalidade dos credores e do próprio interesse geral no desenvolvimento saudável da economia. Já quanto ao cidadão comum, bem se deve reconhecer que tais custos representam, em regra, uma despesa excecional e episódica. […] Acresce que é permitido que os custos derivados de contencioso sejam deduzidos aos rendimentos das pessoas coletivas pelo que, apesar de serem suportados inicialmente, acabam por ser abatidos para efeitos de determinação da matéria coletável, ou mesmo quando a ação é alheia à atividade económica da empresa: os seguros deverão ser efetuados para prevenir situações de responsabilidade civil, sendo certo que são também considerados custos, dedutíveis à matéria coletável (e que nem podem ser considerados custos os prejuízos que advenham de situações que seriam seguráveis). Por outro lado, não pode de modo algum esquecer-se que a proteção jurídica de pessoas coletivas com fim lucrativo corresponderia a uma opção de proteger a litigância de sociedades comerciais sem condições de asse- gurar a sua atividade económica, o que se mostra desconforme com a injunção constitucional prevista no artigo 81.º, alínea f ) de assegurar o funcionamento dos mercados, de modo a garantir a equilibrada concorrência entre as empresas, e a sua competitividade, o que implica aceitar que aquelas que se mostram incapazes de suportar os custos normais da sua atividade económica, tornando-se inviáveis, não devem prosseguir a sua atividade. Não faz sentido, com efeito, que a existência das pessoas coletivas com fins lucrativos implique a absorção de proveitos económicos gerados globalmente pela comunidade. Caso contrário, o legislador coloca a cargo dos contribuintes uma parte dos custos da atividade das pessoas jurídicas que têm como fim obter lucros, o que dificilmente é sustentável. Não podemos esquecer quer, para o caso específico das sociedades, a lei procura evitar que ocorra a situação de insuficiência ao prever a constituição de reservas de capital impondo medidas quando tal situação deficitária venha, ainda assim, a ter lugar. Pretende-se, em suma, que as empresas em atividade tenham um mínimo de sustentação financeira.» Nesta ordem de ideias, o apoio judiciário a pessoas coletivas com fins lucrativos surge como disfuncional e potencialmente criador de desigualdades entre as empresas concorrentes num mesmo mercado e, por essa via, como potencial fator de desequilíbrio desse mercado. De todo o modo, recorde-se que, nos Acórdãos n. os 548/11 e 58/12, este Tribunal reforçou não resultar nem das normas da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, nem da leitura jurisprudencial que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem delas tem feito, mormente no tocante ao artigo 6.º da citada Convenção, qualquer solução normativa que, em matéria de proteção jurídica das pessoas coletivas, imponha solução inversa àquela que, no seu conhecimento, foi consagrada no Acórdão n.º 216/10. Na verdade, «a afirmação de princípio de que toda a pessoa tem direito a um tribunal, independente e imparcial, “estabele- cido pela lei”, constante do invocado artigo 6.º da CEDH, assenta e projeta o seu âmbito primordial de ação tutelar na dignidade da pessoa humana, sendo legítimo que a lei, na margem de conformação normativa que lhe é expressamente reconhecida pela Convenção, regule a essa luz os termos e pressupostos de que depende a concessão de proteção jurídica às pessoas coletivas». Mas ainda mais significativa no que se refere à questão de o bom funcionamento dos mer- cados poder ser posto em causa por medidas de apoio judiciário a empresas em dificuldades é a interpretação do artigo 47.º, parágrafo terceiro, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (“CDFUE”) feita pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no acórdão de 22 de
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