TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016

25 acórdão n.º 510/16 8. Certo é que, desde há muito, o Tribunal Constitucional vem compreendendo a função jurisdicional por referência à atividade de resolução de litígios, de acordo com o direito vigente, tendo em vista especifi- camente a consecução da paz jurídica, ou seja, com o único ou específico objetivo de realização do interesse público da composição de conflitos (vide, entre muitos, os Acórdãos n. os 104/85, 182/90, 443/91, 452/95, 630/95 ou 760/95). Na síntese formulada no Acórdão n.º 80/03: «A problemática da definição da função jurisdicional e do seu confronto com as restantes funções do Estado – mas mormente da função administrativa – tem sido, por referência a tais preceitos, objeto de uma larga discussão, quer na doutrina, quer na jurisprudência. Na doutrina, A. Rodrigues Queiró procurou distingui-las a partir de um critério teleológico. Segundo escreveu, «essencial, para que se fale de um ato jurisdicional, parece-nos ser, para já, que um agente estadual tenha que resol- ver de acordo com o direito “uma questão jurídica”, entendendo-se por tal um conflito de pretensões entre duas ou mais pessoas, ou uma controvérsia sobre a verificação em concreto de uma ofensa ou violação da ordem jurídica”. E noutro passo precisava: «Ao cabo e ao resto, o quid specificum do ato jurisdicional reside em que ele não pressupõe, mas é necessariamente praticado para resolver uma questão de direito. Se, ao tomar-se uma decisão, a partir de uma decisão de facto traduzida numa «questão de direito» (na violação do direito objetivo ou na ofensa de um direito subjetivo), se atua por força da lei, para se conseguir a produção de um resultado prático diferente da paz jurídica decorrente da resolução dessa «questão de direito», então não estaremos perante um ato jurisdicional: estaremos, sim, perante um ato administrativo (cfr. Lições de Direito Administrativo, vol. I, 1976, pp. 43, 44 e 51, e «A Função Administrativa», Separata da Revista de Direito e de Estudos Sociais, XXIV (n. os 1, 2 e 3), Coimbra, 1977, pp. 30-31). O critério teleológico é igualmente o seguido por R. Ehrhardt Soares quando afirma que, na atividade admi- nistrativa, a resolução do conflito de interesses (da «questão de direito») é orientada por uma perspetiva de interesse público – justamente, do interesse público específico que a norma expressa. Também este Tribunal Constitucional tem uma abundante jurisprudência sobre o conceito da função jurisdi- cional e da função administrativa (cfr., entre muitos, e só no tomo 31.º dos Acórdãos do Tribunal Constitucional, os Acórdãos n. os 225/95, 226/95, 269/95, 375/95). Assim, no Acórdão n.º 452/95 (cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional, 31.º vol, pp. 181), que teve de se pronunciar sobre um dos casos de zona de fronteira, acentuou-se: “A função jurisdicional consubstancia-se, assim, numa “composição de conflitos de interesses”, levada a cabo por um órgão independente e imparcial, de harmonia com a lei ou com critérios por ela definidos, tendo como fim específico a realização do direito e da justiça (cfr. o Acórdão deste Tribunal n.º 182/90 […]). Aquela função estadual diz respeito a matérias em relação às quais os tribunais têm de ter não apenas a última palavra, mas logo a primeira palavra (cfr. Acórdãos deste Tribunal n. os 98/88 e 211/90 […]). A função administrativa é, ao invés, uma atividade que, partindo de uma situação de facto traduzida numa “questão de direito”, visa a prossecução do interesse público que a lei põe a cargo da administração e não a paz jurídica que decorre da resolução dessa questão. Daí que, na atividade administrativa, a primeira palavra deva caber à administração, cabendo aos tribunais a última e definitiva palavra, de acordo com a garantia constitucional do recurso conten- cioso, condensada no artigo 268.º, n.º 4, da Lei Fundamental”. Mas outras formulações poderão ser colhidas na jurisprudência deste Tribunal. Assim, no Acórdão n.º 104/85, publicado no Diário da República , II Série, de 2 de agosto, de 1985, afirmou-se: “A separação real entre a função jurisdicional e a função administrativa passa pelo campo dos interesses em jogo: enquanto a jurisdição resolve litígios em que os interesses em confronto são apenas os das partes, a Administração, embora na presença de interesses alheios, realiza o interesse público. Na primeira hipótese a

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