TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016

23 acórdão n.º 510/16 dos diferentes entes administrativos, a um outro ente administrativo, é questão que, primeiro, não encon- tra solução naquele preceito e, segundo, releva exclusivamente do direito infraconstitucional. Em sede de fiscalização concreta da inconstitucionalidade somente daquele preceito constitui um pressuposto necessá- rio da apreciação que o ente administrativo autor da ordem de pagamento conta entre as suas atribuições a realização do interesse público tutelado por tal norma e que é dotado de competência funcional para emitir a ordem em causa.   6. Pelo exposto, justifica-se reformular o objeto material do presente recurso nos seguintes termos: está em causa a inconstitucionalidade da norma do artigo 564.º, n.º 2, do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, na interpretação de que concede a um ente administrativo, em sede do procedi- mento de contraordenação, e acrescendo à aplicação da coima, a competência para emitir uma ordem de paga- mento dos quantitativos em dívida ao trabalhador.   B) Mérito do recurso 7. A compreensão constitucional do princípio da separação de poderes, apesar de convocar critérios orgânicos e funcionais, não se reconduz a uma simples distribuição de funções por diferentes órgãos. Como o Tribunal Constitucional tem afirmado, inexiste, no texto constitucional, «qualquer estrita correspondência entre separação de órgãos e separação de funções, de modo a que a separação de órgãos tenha o sentido de implicar uma rígida divisão de funções do Estado entre eles, exprimindo até a referência à interdependên- cia dos órgãos do Estado constante do artigo 111.º, n.º 1, da Constituição, uma lógica de colaboração e articulação funcional» (cfr. o Acórdão n.º 395/12, disponível, assim como os demais adiante citados, em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/ ). Mas, por outro lado, «isso não impede que se reconheça quer a existência de domínios claramente identificados e delimitados de competência exclusiva da Adminis- tração, quer a reserva de um núcleo essencial de atuação de cada um dos poderes do Estado, apurado a partir da adequação da sua estrutura ao tipo ou à natureza da competência em causa, enquanto justificação da sua previsão e expressão da sua igual legitimidade político-constitucional» (vide ibidem ). É neste contexto que se justifica falar de uma teoria do núcleo essencial das funções, como aquela a que se refere a sentença recorrida, e que ganha sentido útil o princípio da separação de poderes entendido como princípio normativo autónomo dotado de um irredutível núcleo essencial. Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, tal sentido consubstancia-se em fundamentar a «declaração da inconstitucionalidade de qualquer ato que ponha em causa o sistema de competências, legitimação, responsabilidade e controlo consagrado no texto constitucio- nal (Acordãos do Tribunal Constitucional n. os 195/94, 677/95, 1/97, 24/98 e 152/02)» (vide Autores cits., Constituição da República Portuguesa Anotada , vol. II, 4.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, anot. V ao artigo 111.º, p. 46). Os mesmos Autores não deixam, todavia, de advertir para a necessidade de uma caracterização tipoló- gica – e não definitória – das diferentes funções do Estado: «O conceito de “núcleo essencial de funções ” não dispensa, porém, que, em termos metódicos, se estabeleça uma interpretação sistemática de poderes, competências e funções a partir dos vários preceitos jurídico-positivos da Constituição. Determinar como as funções e competências são distribuídas pelos vários órgãos resulta, em primeiro lugar, da ordem global de competências tal como ela vem positivada na lei constitucional. Em segundo lugar, esta ordem de poderes, competências e funções transporta dimensões materiais que permitirão recortar as características específicas das competências e funções constitucionalmente reservadas a certos órgãos de soberania e que não podem ser “desviadas” para outros. Como os diferentes órgãos podem desempenhar competências e fun- ções que não se reconduzem àquelas que, de forma principal, a Constituição lhes reserva, é admissível a restrição da caracterização material apenas às formas, conteúdos e resultados tipicamente atribuídos a cada órgão de soberania.» (vide idem , ibidem , pp. 46-47)

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