TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 97.º Volume \ 2016
224 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL que especificamente determinou a anulação do julgamento realizado pela primeira instância foi «a insufi- ciência para a decisão da matéria de facto» [alínea a) ], vício que se verifica quando a matéria de facto apurada pelo tribunal, considerada no seu conjunto, é insuficiente para fundamentar a solução de direito aplicada; o juízo formulado acerca da existência desse vício pressupõe, pois, o confronto entre o objeto do processo e a matéria de facto que o tribunal indagou, sendo de concluir pela sua verificação sempre que o tribunal de julgamento «deixou de dar resposta a um facto essencial postulado pelo (…) objeto do processo, isto é, dei- xou por esgotar o thema probandum » (neste sentido, António Pereira Madeira e outros, em Código de Processo Penal Comentado, 2014, p. 1358, e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de março de 2013, proferido no processo n.º 1759/07.0TALRA.C1.S1). Como é sabido, o objeto do processo fixa-se em momento processual anterior ao da audiência de jul- gamento, com a dedução da acusação e/ou decisão de pronúncia, que não só constituem condição de inter- venção do tribunal como limite material aos seus poderes de cognição e decisão; neste pressuposto, que constitui dado adquirido nos processos penais estruturados na base do princípio do acusatório (artigo 32.º, n.º 5, da Constituição), é evidente que a anulação do julgamento, por quaisquer dos vícios tipificados no citado artigo 410.º, n.º 2, do CPP, não importa qualquer modificação do objeto do processo, que se mantém essencialmente uno e idêntico em todas as fases do processo penal, sendo exatamente igual a matéria sobre a qual o arguido teve a possibilidade de se pronunciar e produzir prova e aquela sobre que recairá, por força da decisão de reenvio, o novo julgamento (cfr., sobre o princípio da vinculação temática, enquanto afloramento do princípio do acusatório e garantia fundamental de defesa do arguido, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de junho de 2011, proferido no processo n.º 1417/08.8TAVIS.S1, e de 25 de janeiro de 2007, proferido no processo n.º 07P158). Ora, mantendo-se a instância estável, também do ponto de vista do objeto do processo, não pode o arguido, a pretexto da decisão anulatória do tribunal superior, que não atinge as fases processuais anteriores à audiência de discussão e julgamento (artigos 321.º a 380.º do CPP), pretender fazer o que não fez em tempo oportuno, contestar e arrolar testemunhas. Acresce que, considerando a natureza e gravidade dos vícios previstos no n.º 2 do artigo 410.º do CPP, entendeu o legislador ser de afastar a intervenção no novo julgamento dos juízes que participaram no anterior, em ordem a assegurar a independência e imparcialidade do tribunal (artigo 426.º-A do CPP). De modo que também se mostra incompreensível a argumentação que, ignorando esse aspeto fundamental do regime jurídico do reenvio, invoca, como razão determinante da renovação do prazo de defesa, o risco de o novo julgamento ser, sem isso, uma «aparência de novo julgamento», por mera repetição formal do anterior. Não há, pois, qualquer razão constitucional para censurar a solução que, no âmbito da decisão de reen- vio para novo julgamento, não confere ao arguido, que já teve a possibilidade de se defender da acusação, novo prazo para o efeito. Uma tal exigência, além de não encontrar fundamento nas garantias de defesa do arguido, pelas razões antes aduzidas, implicaria, por regressiva, com o modelo constitucional de um processo penal célere e eficaz. III – Decisão Termos em que se decide: a) Não julgar inconstitucionais as normas conjugadas dos artigos 315.º e 426.º, n.º 1, do CPP, inter- pretadas no sentido de não ser de conceder prazo de defesa ao arguido, para apresentação de con- testação e rol de testemunhas, no âmbito da decisão de reenvio para novo julgamento por tribunal superior; b) Negar, em consequência, provimento ao recurso.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=